Segundo Karen Cator, Brasil e EUA têm problemas semelhantes na formação de docentes, que precisam recuperar 'respeito público e recursos'.
Segundo Karen Cator, Brasil e EUA têm problemas semelhantes na formação
 de docentes, que precisam recuperar 'respeito público e recursos'. 
(Foto: Digital Promise)  
 Vinda de alguém que já trabalhou nas salas de aula, em uma grande 
empresa de tecnologia e no governo americano, a resposta de Karen Cator 
sobre como formar professores mais eficientes para o século é 
surpreendente: "Acho que ninguém descobriu ainda como fazer". 
 Segundo ela, os cursos superiores de Educação nos EUA e no Brasil 
enfrentam problemas semelhantes - mais teoria de ensino do que prática, 
além de pouca ênfase no uso da tecnologia para melhorar o aprendizado 
dos alunos. Mesmo que os novos professores já sejam nativos da era da 
internet. 
 "Além de conhecer a tecnologia, é preciso saber administrar uma sala de
 aula, arrebatar os corações e mentes dos alunos e engajá-los na 
resolução de problemas complexos usando a tecnologia. São habilidades 
diferentes", afirma. 
 Cator, que começou sua carreira como professora de escola pública no 
Alasca, tornou-se executiva da área de educação da Apple e, entre 2009 e
 2013, foi diretora do Departamento de Tecnologia Educacional dos 
Estados Unidos, durante o primeiro governo Obama. 
 Atualmente, ela é CEO da organização sem fins lucrativos Digital 
Promise, que reúne educadores, empresários e pesquisadores para acelerar
 inovações no ensino usando a tecnologia. Ela veio ao Brasil em um 
evento do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), uma 
associação com objetivos semelhantes - aproximar as escolas da cultura 
digital dos alunos. 
 Confira os principais trechos da entrevista: 
 BBC
 Brasil - Quais são os maiores desafios para o Brasil e outros países em
 desenvolvimento em usar tecnologia na educação? Por onde se deve 
começar? 
 Karen Cator - A educação pública no Brasil tem muito o que melhorar em 
termos de garantir que todos os estudantes tenham acesso a um ensino de 
qualidade. O que eu diria é que, como na maior parte do mundo, há boas 
iniciativas ocorrendo, mas não há muita equidade. Elas não são 
distribuídas igualmente. 
 O desafio real é dar acesso equitativo à tecnologia para todos os 
alunos, e em seguida melhorar a habilidade das pessoas de fazer bom uso 
deste acesso para uma educação de qualidade. 
 Uma das coisas que achamos que a tecnologia pode fazer é ajudar os 
professores a melhorarem e também o aluno, especialmente se o aluno está
 em um local sem um professor bem treinado. 
 Se eu e você precisássemos aprender algo novo hoje, provavelmente 
entraríamos na internet para procurar respostas, especialistas e 
recursos. A tecnologia primeiro dá a internet, com seus materiais, 
livros de domínio público, uma miríade de recursos que ajudam os alunos.
 
 A segunda coisa é que ela oferece uma plataforma para publicar e 
conseguir feedback. Alunos podem fazer um filme, compor uma música, 
fazer um trabalho. O site Kahn Academy, por exemplo, traz milhares de 
problemas de matemática que os estudantes podem praticar. 
 BBC Brasil - Que bons exemplos de uso da tecnologia da sala de aula os Estados Unidos podem fornecer? 
 Cator - Os EUA, assim como o Brasil e outros países, têm algumas 
escolas maravilhosas, alguns bolsões de excelência onde coisas 
inspiradoras e interessantes estão acontecendo em sala de aula. 
 Nesses lugares, vemos estudantes engajados na resolução de problemas 
complexos, em aprender o que chamamos de habilidades do século 21 e 
resolução de problemas. Eles estão usando tecnologia para ajudá-los a 
pensar em soluções. 
 Também vemos pessoas criando e pesquisando para filmes, música, 
apresentações. Essas são as coisas mais interessantes que vemos. Quando 
pensamos em inovação, pensamos em ambientes que captam a inventividade e
 a curiosidade desses estudantes. 
 Mas há muitos outros lugares onde isso não está acontecendo. 
 'A educação é crucial para o desenvolvimento econômico, para a segurança nacional e para a justiça social', afirma Cator 
 BBC
 Brasil - O interesse dos alunos em tecnologia ainda é visto como dor de
 cabeça por muitos professores, que reclamam da distração que a internet
 e celulares, por exemplo, podem representar em sala de aula... 
 Cator - Já vi salas de aula muito bem-sucedidas nas quais os 
professores permitiram que os alunos usassem seus telefones celulares e o
 próprio professor usa isso de maneira produtiva, por exemplo, para 
saber se o aluno está compreendendo o que está acontecendo na aula. 
 E também, é claro, se pode usar o celular para buscar a informação necessária para resolver problemas. 
 Então as melhores salas de aula que eu vejo - onde a tecnologia não é 
uma distração - são salas onde os professores cuidadosamente elaboraram 
um desafio ou algum tipo de experiência de aprendizado profundo para os 
alunos para que eles fiquem engajados e focados no que está acontecendo 
ali. 
 BBC Brasil - Quais são essas "habilidades do século 21" que os alunos devem ter? 
 Cator - Há tanta informação e conteúdo hoje que não há uma maneira de as pessoas aprenderem nem perto de tudo o que existe. 
 Então as habilidades de resolução de problemas, pensamento crítico, 
comunicação, criatividade e design thinking (método de abordar problemas
 que valoriza contexto, conhecimento, empatia e criatividade) ajudam os 
alunos a terem a mentalidade de aprender durante toda a vida. 
 E aprender durante toda a vida é uma das coisas mais importantes que estudantes podem desenvolver quando estão na escola. 
 BBC Brasil - E o que um professor do século 21 deve saber fazer em sala de aula? 
 Cator - Nós ficamos dizendo que os professores ainda são de outra 
geração, mas na verdade os que hoje estão em seus primeiros dez anos de 
carreira já cresceram com a tecnologia e com a internet. 
 Tenho uma filha que está estudando para ser professora e ela não se lembra de quando a internet não existia. 
 Dito isso, é preciso, além de conhecer a tecnologia, saber administrar 
uma sala de aula, arrebatar os corações e mentes dos alunos e engajá-los
 na resolução de problemas complexos usando a tecnologia. 
 São habilidades diferentes, e essas são as coisas mais importantes que precisamos ajudar os professores a fazer. 
 Uma das coisas interessantes que o CIEB está fazendo no Brasil é a 
criação desse centro de inovação e outros métodos para conectar pessoas,
 jogar luz sobre os lugares em que o aprendizado está acontecendo para 
que outras pessoas possam tentar isso em suas salas de aula também. 
 BBC
 Brasil - No Brasil, muitos especialistas têm criticado a pouca ênfase 
na formação prática dos professores dentro da universidade. Como é 
possível formar estes professores inovadores? 
 Cator - Essa é uma discussão enorme nos Estados Unidos também e acho que ninguém ainda descobriu exatamente como fazer. 
 Há algumas ótimas universidades nos EUA que estão colocando os alunos 
para ensinar nas salas de aula laboratório mais cedo e com mais 
frequência durante a graduação. 
 Os problemas na formação dos professores no Brasil são semelhantes aos 
dos EUA. E as pessoas que estão ensinando os futuros professores muitas 
vezes não ensinaram em escolas que tenham tecnologia e inovação em seu 
DNA. 
 BBC
 Brasil - Mas para ter escolas com "tecnologia em seu DNA" não é preciso
 investir mais dinheiro? No Brasil, a aprovação recente de uma lei que 
congela investimentos na educação por 20 anos causou polêmica, com 
alguns dizendo que levaria a um retrocesso. 
 Cator - Realmente é preciso mais recursos. Ouvi falar sobre a lei que 
acabou de passar no Brasil, mas não estou familiarizada, então não posso
 falar bem sobre ela. 
 Mas devo dizer que o investimento na educação pública é uma das coisas 
mais importantes que qualquer governo pode fazer para colocar o país no 
caminho do sucesso futuro, para o desenvolvimento econômico, para ser o 
centro da inovação. É a coisa mais importante que um país pode fazer 
pelos cidadãos. 
 A educação é crucial para o desenvolvimento econômico, para a segurança
 nacional e para a justiça social. É muito importante garantir que os 
governos invistam na nova geração. 
 BBC
 Brasil - Em uma crise econômica, qual deve ser a prioridade? Formar 
professores inovadores ou colocar mais tecnologia nas escolas? 
 Cator - Se eu tivesse que escolher, provavelmente seria a primeira opção. 
 Se você ajuda os professores a usarem a tecnologia à qual têm acesso, 
você traz mais apoio popular e mais visão inovadora para a educação. E 
isso também gera apoio para que mais recursos sejam bem utilizados pelo 
setor. 
 BBC
 Brasil - Pesquisas recentes mostram que professor é a profissão menos 
escolhida por jovens que deixam o ensino público no Brasil. Como fazer 
com que eles se interessem pelo ensino? 
 Cator - Nos EUA, o recrutamento de pessoas para serem professores 
também está em um de seus piores momentos. Acho que muito disso tem a 
ver com a queda nas expectativas e no respeito que os professores têm. É
 um desafio de opinião pública também. 
 Além disso, 40, 50 anos atrás, mulheres em particular não tinham tantas
 opções de carreira. Elas se tornavam enfermeiras e professoras. Hoje, 
elas podem seguir qualquer carreira. A paisagem profissional mudou. 
 O que precisamos fazer hoje é garantir que as pessoas fiquem 
inspiradas, que entendam o trabalho de ensinar e que demos a elas tanto 
respeito público quanto for possível. E, é claro, dar aos professores os
 recursos para serem bem-sucedidos. 
 BBC
 Brasil - Você começou no ensino público e, em seguida, foi trabalhar na
 Apple. Depois, fez parte do governo Obama. Quais as principais lições 
sobre educação que aprendeu em uma grande empresa e na administração 
pública? 
 Cator - Quando fui para a Apple, o foco era inovação. A empresa era 
conhecida por isso - pelo design limpo, resolução de problemas e por 
encontrar novas maneiras de as pessoas fazerem coisas. Por isso, meu 
foco passou a ser alavancar tecnologia e pesquisa para criar o melhor 
ambiente de aprendizado possível para os alunos. 
 A educação pública é avessa aos riscos e à inovação porque é preciso 
garantir que estamos fazendo o que é certo com crianças. Além disso, as 
pessoas têm uma visão particular do que é a educação pública, porque 
todas elas foram para a escola e tiveram experiências diferentes. 
 Uma das coisas mais importantes que fizemos no período em que 
participei do governo foi termos publicado o Plano Nacional de Educação e
 Tecnologia (em 2010), um documento feito com muita participação popular
 e de grupos focais de professores e de empresas, que criou um arcabouço
 para pensarmos sobre como a tecnologia pode apoiar o aprendizado hoje. 
 Minha maior lição nesse período foi que as pessoas importam. Sejam 
pesquisadores, líderes educacionais, empreendedores, executivos de 
corporações, todos têm algo a acrescentar. 
 Se você puder construir coalizões e ajudar as pessoas a terem uma 
linguagem comum, elas farão um trabalho melhor em direção a um objetivo 
comum. 
Por BBC/Globo Educação 
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