quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Trabalho em grupo traz benefícios para o aprendizado

Professores relatam como a competição deu lugar à colaboração em sala de aula



Desde 1987 atuando co­mo professora de português em escolas públicas, Ermelinda Vigilante tomou um susto ao voltar a dar aulas a turmas do terceiro ano do ensino médio, após anos dedicando-se à alfabetização de crianças menores. Com certa frequência, ela passou a escutar de alguns estudantes que eles “odiavam ler e escrever”. A atitude contrastava com a postura dos alunos menores, com menos de 11 anos, que sempre se mostravam abertos e interessados no conteúdo da matéria que ministrava. Intrigada, a docente se perguntou o que ocorrera nesse intervalo de tempo, que levou os jovens a se desinteressarem pelo conteúdo das aulas. “Uma das conclusões a que cheguei é que, na medida em que o estudante cresce, o conhecimento passa a ser lecionado em ambientes menos colaborativos e mais competitivos, algo que não contribui para seu envolvimento com as aulas”, afirma a docente. Para reverter esse quadro, a professora defende que as metodologias de ensino baseadas em trabalhos em grupo devem desempenhar um papel central, na medida em que permitem aos alunos se apropriarem do conhecimento e melhorarem a postura na resolução de conflitos.
Essa também é a premissa cen­tral dos pesquisadores e do­centes que, a exemplo de Ermelinda, são adeptos da teoria histórico-cultural, que remonta suas origens aos estudos do psicólogo bielorrusso L. S. Vigotski (1896-1934) e defende que o ensino e a aprendizagem são processos mediados cultural e historicamente pelas relações humanas. Tal visão se opõe à ideia de aulas baseadas somente no ensino mnemônico e sustenta que o professor deve valorizar a experiência social como caminho à evolução do próprio processo cognitivo. O assunto ganha tamanha importância que, segundo Anita Abed, pesquisadora e psicopedagoga na MindLab Brasil, o próximo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vai avaliar, também, as formas como as escolas estimulam os alunos a trabalhar em equipe. “Saber trabalhar em grupo e lidar com imprevistos são necessidades do mundo atual. E essas habilidades devem começar a ser desenvolvidas na própria escola”, defende.
Novos paradigmas
Professora da Escola Municipal de Educação Infantil João 23, em São Paulo, e da Escola Estadual Professor Pedro Casemiro Leite, em Cotia, Ermelinda opina que o trabalho coletivo é importante em todas as etapas do ensino, no entanto, foi durante a alfabetização de jovens que ela percebeu seus benefícios de maneira mais concreta. “Organizados em grupos, os estudantes discutem seus erros, se dão broncas e refazem as tarefas, quando necessário. Em algumas situações, a linguagem do outro colega pode ser mais eficaz do que a minha”, diz.
Alexandre Nicolae Muscalu, professor de história do Colégio Mater Dei São Paulo, acredita que o trabalho em grupo na sala de aula é, hoje, favorecido pela expansão das mídias digitais e plataformas colaborativas, por meio das quais novas práticas passam a ser difundidas, principalmente nos últimos anos do ensino fundamental e em todo ensino médio. “O paradigma da gameficação vem reestruturando o campo do desenvolvimento da linguagem e da sociabilidade mediada pela interação digital”, analisa. Segundo Muscalu, na educação infantil as atividades tendem a centrar-se no trabalho colaborativo, em detrimento do ambiente mais associado ao mérito e à competição. Passada a primeira infância, diz ele, no ensino fundamental, o trabalho em grupo permite que o aluno desenvolva sua individualidade. “Porém, para que essa individualidade não se torne a negação do outro, o docente deve valer-se de exercícios de trocas entre estudantes e que lhes permitam renunciar à excessiva confiança em si”, enfatiza.
Em relação aos benefícios pedagógicos, Ana Maria Falcão de Aragão, docente do departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação da Unicamp, explica que, nos trabalhos coletivos, os estudantes têm melhores condições de falar sobre suas dúvidas e colocar em xeque suas certezas. “Os alunos se apropriam melhor das informações e aprendem a resolver conflitos, não somente de relações, mas também de conhecimentos”, opina. E isso vale para todas as etapas do ensino, inclusive aos estudantes da primeira infância. “O aprendizado retido dessas negociações será benéfico para toda a vida”, diz Ana.
Didática específica
No ano passado, Ana Maria, da Unicamp, ministrou um curso teórico para qualificar professores sobre metodologias de atividades em grupo. Na última aula, ela propôs que eles realizassem um trabalho com imagens, baseados nas aulas do curso. Para sua surpresa, observou os participantes desenharem suas ilustrações individualmente. “A situação me mostrou como os docentes não são preparados nos cursos de licenciatura para esse tipo de prática. Inclusive, muitos proíbem até mesmo conversas paralelas e troca de ideias durante as aulas”, destaca. Uma reclamação comum que Ana costuma escutar diz respeito à “bagunça” que o trabalho coletivo pode criar. Para ela, esse tipo de confusão só ocorre quando os membros do grupo não têm funções específicas para se ocuparem durante a realização do trabalho. “Não faz sentido, por exemplo, que todos discutam o assunto proposto e depois somente um se responsabilize por redigir o texto. O professor deve ensiná-los a buscar novas formas de amarrar as ideias pensadas por todos”, exemplifica. Outra dica é que as propostas em grupo desafiem os alunos intelectualmente e reúnam pessoas sem discrepâncias grandes de idade ou níveis de conhecimento. Àqueles professores que não possuem experiência nesse tipo de metodologia coletiva, ela recomenda que comecem propondo tarefas em pares e aumentem o coletivo na medida em que o trabalho evolui. “Em grupo, é preciso respeitar o que o outro pensa”, reforça.
Protagonismo docente
Ascânio João Sedrez, pedagogo, filósofo e diretor do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, lembra, por sua vez, que didáticas de aula que incluam trabalhos coletivos exigem mudanças de perspectiva do professor, que precisa confiar em processos mais participativos à construção da aula e da aprendizagem. Na linha de Sedrez, Flávia Martins Guimarães Fung, orientadora pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Elza Maria Pellegrini de Aguiar, em Campinas, afirma que os professores devem contar com um projeto pedagógico estruturado, que tenha começo meio e fim e a flexibilidade necessária que tarefas de investigação podem demandar. Para ela, nos trabalhos em grupo a informação passada pelo outro aluno é acolhida de melhor forma, se comparada à busca pelo conhecimento somente por meio de professores e livros. “As crianças sempre fazem perguntas inesperadas e o professor precisa estar preparado para respondê-las”, alerta. Devido à importância que a escola atribui ao processo de construção do trabalho em grupo, os alunos, em geral, não podem levar sua parte da atividade para realizar em casa. “É necessário supervisionar todo o processo, sabendo como foi a discussão e a construção das perguntas para chegar ao resultado final do trabalho”, reforça.
Ao compartilhar a visão de Flávia, Amarílio Ferreira Junior, professor do departamento de educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), lembra que o processo de ensino-aprendizagem se dá com base na combinação entre a subjetividade e o lúdico das crianças com sua capacidade de cognição. Ele considera que é preciso tomar cuidado com metodologias baseadas somente no ensino mnemônico e na relação autoritária entre docente e alunos, que podem reprimir a subjetividade dos estudantes. “O grande feito pedagógico é conseguir passar o conhecimento cognitivo sem renunciar à parte lúdica”, resume. No entanto, apesar de reconhecer que os trabalhos em grupo tendem a favorecer o desenvolvimento e a expressão da subjetividade de cada aluno, o docente acredita que, para ser bem-sucedido, esse processo deve ser acompanhado de muita disciplina. “Durante atividades em grupo, o professor não pode transferir aos alunos a responsabilidade pela aprendizagem, renunciando ao seu protagonismo no processo”, finaliza.
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