Líder indiano foi assassinado há exatos 70 anos
Publicado em O Globo
RIO — Setenta anos depois, o indiano Arun Gandhi ainda se lembra com
muita nitidez daquele 30 de janeiro de 1948. Ele voltava a pé do
colégio, que ficava a mais de um quilômetro de sua casa, em um vilarejo
na África do Sul. Um conhecido apareceu e pediu que ele apressasse o
passo. Quando chegou e viu a sua mãe chorando, percebeu que algo sério
havia acontecido. Seu avô, Mahatma Gandhi, fora assassinado a tiros na
Índia.
Arun foi tomado pela raiva. Ao longo dos anos, porém, usou as lições
pacifistas ensinadas pelo avô para canalizar o sofrimento em algo
positivo. Estes ensinamentos estão em “A virtude da raiva” (Sextante),
que acaba de sair no Brasil. Hoje com 83 anos, o ativista político vai a
Campinas (SP) participar do “Fórum Campinas Pela Paz”, que acontece nos
dias 23 e 24 de fevereiro.
— Quando soube do assassinato, fiquei em choque, não entendia como
podiam ter matado alguém tão gentil e amável — lembra Arun, em
entrevista por telefone. — Disse à minha família que iria me vingar de
quem fez isso. Na hora, meus pais me lembraram que o meu avô não
aprovaria esse tipo de comportamento, e que ele gostaria que eu
dedicasse minha vida a mostrar que não há mais lugar para esse tipo de
violência. Foi o início da minha trajetória no ensino da não violência.
UMA ESPÉCIE DE ELETRICIDADE
“A virtude da raiva” traz dez ensinamentos que Arun recebeu de
Gandhi. Nascido na África do Sul, em 1934, o ativista passou os
primeiros anos da vida sofrendo com os efeitos do apartheid: era atacado
pelas crianças brancas por não ser branco o suficiente e pelas crianças
negras por não ser negro o suficiente. Ressentido, só compreendeu
melhor o mundo depois que sua família se mudou para a Índia, e ele
conheceu o seu avô. Arun tinha 12 anos e teve contato direto com Gandhi
até os 14, quando voltou para o país natal.
Presidente da Gandhi Worldwide Education, e jornalista com textos
publicados no “Washington Post”, o quinto neto de Mahatma dedica sua
vida a divulgar o sentido de justiça do avô. Um dos caminhos para isso,
defende no livro, é compreender o poder estimulante da raiva, que pode
ser uma ferramenta poderosa para lutar contra as injustiças, desde que
se deixe de lado os seus aspectos tóxicos.
— Eu tinha muita raiva pela discriminação que sofri no apartheid e
mostrava isso no meu dia a dia — conta o ativista. — Mas, ao chegar à
Índia, meu avô me explicou o que era essa raiva e como ela poderia ser
usada.
O velho Gandhi usava uma metáfora para ilustrar a questão. A raiva,
dizia ele, é como a eletricidade: dependendo de como a usamos, pode
resultar tanto numa centelha de energia quanto num curto-circuito.
Espelhando-se no jeito calmo e controlado do avô, Arun percebeu que não
adiantava, por exemplo, revidar as agressões que recebia.
— A raiva que pode ser positiva resolve problemas — explica Arun. —
Mas ela é ruim para a Humanidade quando abusamos dela, nos tornamos
violentos e agredimos uns aos outros tentando achar uma solução. É
preciso usá-la de forma inteligente, sem exagerar na dose.
As redes sociais não escapam da análise de Arun. Segundo ele, as
novas mídias podem ter contribuído para expandir raiva e violência.
— Na maior parte das vezes, as redes sociais são usadas de forma
errada, para coisas sem sentido — avalia. — Também criam um déficit de
atenção. Sinto que, quando faço posts longos, ninguém os lê. Apenas dão
like e seguem em frente.
E Gandhi, teria hoje uma conta no Twitter ou no Facebook?
— Acho que ele usaria porque a sua ideia era espalhar a sua mensagem
para o maior número de pessoas — palpita o ativista. — Em seu tempo, ele
usou rádio, telefone, tudo que podia lhe facilitar a espalhar a sua
mensagem.
Por Cristina Danuta/ Livros e Pessoas
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