Referendando...
Perrenoud Philippe. Pedagogia
diferenciada: das intenções à ação.Cap. 2.
Porto Alegre. Artmed.2000
O capítulo 2 do livro trata da
situação atual em torno do fracasso escolar e a proposta de uma Pedagogia
Diferenciada como solução para reverter o problema; citando os obstáculos que
se colocam para a sua efetivação.
Perrenoud trata inicialmente de
como surgiu à noção de que havia necessidade de uma pedagogia diferenciada,
tendo em vista que a deficiência sociocultural tornou claro que o fracasso
escolar não era uma fatalidade, mas estava fortemente ligada a condição social
da família.
Em meados dos anos 70, as
divergências acerca do assunto levaram ao questionamento quanto à possibilidade
de lutar contra o fracasso escolar em uma sociedade completamente desigual.
Autores como Althusser, Bourdieu e
Passeron, Baudelot e Establet argumentavam que o sistema escolar exerceria uma
função de reprodução das classes e das hierarquias sociais, sendo, portanto
ingênuo acreditar que haveria empenho por parte das classes dominantes, para
reverter o fracasso escolar. Sobretudo porque a situação favorecia os seus
filhos, perenizando as relações sociais. “A luta contra o fracasso escolar
deslocava-se para o terreno político. ”
(pag. 39)
Berthelot (1983), procura atenuar
tais afirmações ao defender que a lógica de perpetuação da ordem social nem
sempre coincidem, a busca de uma posição favorável para a nação na competição
mundial seria razão suficiente para a democratização dos estudos. Desse modo, a
escola contribuiu para a emergência de uma classe média instruída.
Atualmente, percebem-se intenções
democratizantes que levam a crer que os governos estão interessados em acabar
com o fracasso escolar, no entanto, existe uma enorme distancia entre as
palavras e as práticas administrativas e educativas, fazendo com que muitos se
acomodem alegando não ter meios para reverter o quadro, uma vez que o governo
não faz a sua parte.
Contudo, é crescente o número
daqueles que acreditam em uma Pedagogia Diferenciada, através de zonas de
educação prioritária, criação de ciclos de aprendizagem e avaliação formativa.
Trabalhar a diferenciação é o
grande desafio, é preciso cuidado para não hierarquizar ao dividir os alunos,
ampliando as diferenças. Atentar para a diversificação dos procedimentos e
atendimentos através de uma regulação proativa é um meio eficaz para assegurar
a igualdade.
No entanto, o autor levanta dois
problemas que precisam ser considerados:
< Não funciona criar um modelo de
diagnóstico prévio;
< Existe uma tendência para aumentar as
variações.
Embora autores como Meirieu,
Cardinet, Allal e Perrenoud tenham desenvolvido pesquisas e criado concepções
importantes ã respeito, não conseguiram dar conta dessa complexa questão.
Em seguida, Perrenoud discute
como as estruturas acabam defrontando-se com a Pedagogia Diferenciada, segundo
o autor: “Todo esforço de diferenciação da pedagogia defronta-se, cedo ou
tarde, com o costume...” que seria a escolaridade dividida em etapas.
Há trinta anos tenta-se tornar
essa estrutura mais flexível, através de diferentes medidas que lamentavelmente
não conseguem dar conta da heterogeneidade dos alunos.
Tentando reverter às
dificuldades, diversos sistemas educacionais decidiram pela criação de ciclos
de aprendizagem. Contudo, a noção de ciclo é ambígua, tanto pode esconder uma
manutenção mal dissimulada dos graus; como pode contribuir para a formação de
progressões individuais.
O fato é que a Pedagogia
Diferenciada origina uma abordagem inovadora, centrada no aprendiz e seu
itinerário. Trata-se da individualização dos percursos de formação.
Os desafios que se colocam
articulam-se entre concepções diversas, e às vezes, contraditórias. Sobretudo
no que diz respeito à didática, a avaliação, a relação intersubjetiva e intercultural
e da própria diferenciação, é importente considerar os seguintes aspectos
Em se tratando da didática, se
faz necessário compreender como as crianças e os adolescentes aprendem, qual é
o papel do professor, qual o papel da escola.
Em torno da diferenciação, é
preciso atentar para a importância de que o professor forneça aos alunos os
meios intelectuais e afetivos para ultrapassar os obstáculos.
Quanto à avaliação, o desafio é
vencer a concepção tradicional, que tem impossibilitado uma autorregularão das
aprendizagens que seria, na opinião de Perrenoud, a forma ideal de regulação
com vistas a não separação entre didática e avaliação.
No que diz respeito à relação
intersubjetiva e intercultural, Perrenoud afirma que: “diferenciar o ensino
coloca em confronto não só diferenças bem visíveis de desenvolvimento, de
projeto, de capital cultural, mas também ínfimas e invisíveis diferenças na
relação com o mundo, com a vida, com o futuro, com os outros, com a
propriedade, com o tempo, com a ordem, com o saber, com o trabalho e com mil
outras dimensões da existência. ”
Fazendo uma breve análise da
discussão de Perrenoud, acredito ser pertinente atentar para a qualificação
docente, tendo em vista que para sair da teoria e entrar na prática do
cotidiano escolar, a implementação de uma Pedagogia Diferenciada necessitaria
de profissionais altamente qualificados. Para vencer a complexidade da
proposta, apenas um trabalho embasado cientificamente poderá oferecer subsídios
que permitam reinventar a prática na medida em que surgem os desafios, com
vistas a dar conta da reorganização que se faz necessária.
Parece-me que, sobretudo no que
diz respeito as escolas públicas, ainda existe uma longa distância entre a
qualificação necessária para tamanha ousadia e a realidade dos profissionais
que fazem a comunidade escolar como um todo. Profissionais esses, que vivem uma
aventura cotidiana ao cumprir minimamente o seu papel, não dispondo de
condições para desenvolver seu trabalho satisfatoriamente.
A violência na escola, os problemas
socioeconômicos, a escassez de material adequado, bem como a própria qualidade
de vida do professor, são problemas que precisam ser enfrentados com seriedade
e vontade política.
Muitas mudanças devem entrar em
ação, começando pela qualificação do professor, que precisa compreender e
assimilar o seu papel no processo de aprendizagem do aluno; bem como a
reestruturação do ambiente escolar, e fortalecimento das condições de trabalho
como base essencial para criar um alicerce seguro, que possa favorecer a uma
Pedagogia Diferenciada que de fato dê conta da complexidade de sua proposta.
A Pedagogia Diferenciada é um
grande instrumento da inclusão escolar, uma vez que ao respeitar a
individualidade do aluno são fornecidos os meios para potencializar a sua
aprendizagem.
Analisar a qualidade dos serviços
ofertados aos alunos com dificuldades de aprendizagem por diferentes razoes,
mostrará o quão distante estamos da proposta de uma Pedagogia Diferenciada, de
que forma essa distância tem prejudicado a escolarização dessas crianças, bem
como a viabilidade de reverter o quadro de fracasso escolar através da
discussão proposta no livro de Perrenoud.
Aparecida Cunha
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