Zélia, o grande amor de Ariano, e seu filho, Dantas, que vem cuidando do legado do pai
Foto: Leo Mota/ JC Imagem
O romance, dividido em dois volumes, é tido como o grande legado literário do artista e foi organizado pela família
Cascalho, rochedo, pedregulho, granizo. Ariano Suassuna sempre foi
fascinado por qualquer tipo de pedra, fato que não passa despercebido
pelos seus leitores. O paraibano que fez de Pernambuco sua morada,
falecido em julho de 2014, aos 87 anos, colocou muitas vezes as pedras
como sendo figuras centrais não só de suas criações artísticas, mas
também de suas analogias. Ele costumava dizer que, em sua família,
haviam as pessoas que jogavam as pedras e outras que as recolhiam, como
bem lembra seu filho Manuel Dantas – também as juntava e colecionava,
complementa Zélia, seu grande amor e esposa.
Existem ao longo de sua notável trajetória de vida referências
diretas a este encantamento, desde o romance A Pedra do Reino, que
consagrou o autor nacionalmente e representa um dos marcos iniciais do
Movimento Armorial, às esculturas na casa onde morou e onde Zélia
continua vivendo, no bairro de Casa Forte, passando ainda pela
tipografia que vinha desenvolvendo desde a década de 1990, através da
qual a rigidez do ferro deu espaço à sinuosidade da pedra esculpida.
Tudo parecia estar sendo meticulosamente e poeticamente pensado para
este momento, este livro inédito e póstumo que acaba de ser lançado pela
editora Nova Fronteira: A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco
dos Pecadores (R$ 189,90).
Ao longo de seus últimos 30 anos de vida, Ariano vinha trabalhando
nesta que é sua grande obra, seu testamento literário, finalizada um
pouco antes dele falecer. O próprio termo ilumiara foi criado por ele
para se referir aos anfiteatros formados por pedras insculpidas e
pintadas. O box, contendo os dois volumes do romance, chegou às
livrarias da capital pernambucana na última semana, mas esgotou em
poucos dias. Neste sábado, às 15h haverá na Livraria Cultura do RioMar
Shopping o lançamento oficial da obra com um evento fiel à trajetória e
ao universo suassuniano.
Dantas vai levar ao Teatro Eva Hertz uma aula espetaculosa aberta ao
público, acompanhado com Carlos Newton Júnior (pesquisador da obra de
Ariano Suassuna e autor da apresentação do romance), Ricardo Barbarena
(autor do posfácio), Esther Simões (neta de Ariano e pesquisadora),
Ricardo Gouveia de Melo (designer e idealizador do projeto gráfico da
obra) e Adriana Victor (jornalista e ex-assessora do escritor).
O próprio termo “aula espetaculosa” não é apenas uma alusão às aulas-
espetáculo, grande projeto de Ariano que o levou às mais diversas
cidades de todo o País e através das quais ele unia em um universo
circense música, dança e contação de causos. É que Dom Pantero,
protagonista deste livro, realiza uma aula espetaculosa através da qual
ele satisfaz seu desejo criativo de escritor frustrado com a ajuda de
seu três irmãos, um dramaturgo, outro romancista e o terceiro poeta –
cada um deles, assim como um tio ensaísta, representando as diversas
facetas criativas do próprio Ariano, além das ilustrações que permeiam
todas as páginas da obra.
O livro em si é, na verdade, a aula espetaculosa, um grande simpósio
que se desenvolve ao longo de uma manhã e de uma tarde, daí a decisão de
dividir a obra em dois volumes, O Jumento Sedutor e O Palhaço
Tetrafônico. “Se ele tivesse tido mais tempo, vivido mais, teria escrito
um terceiro volume, que corresponderia à parte noturna do simpósio”,
explica Dantas.
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Autobiografia, ficção, ensaio, poesia, teatro ou artes plásticas? Não
há porque classificar O Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores
em apenas um gênero, já que todos estão presentes nas mais de mil
páginas do livros. Essa amálgama literária e visual é justamente o que
define o livro como sendo, para Carlos Newton, “o mais pós-moderno da
literatura brasileira”. “Através da história de Dom Pantero e de seus
alter egos, Ariano está falando de si e do Brasil. É um grande ensaio
sobre nosso país”, ressalta Raimundo Carrero, leitor assíduo de Ariano e
autor da contracapa do primeiro volume. São inúmeros os personagens que
permeiam o livro e muitos deles foram baseados em pessoas que passaram
pela vida do autor, às vezes com seus verdadeiros nomes e outras não.
“Ele sempre pensou o livro plasticamente, onde queria reunir todas
suas formas de expressão”, pontua Dantas. “Ariano não foi só um grande
artista, mas também um grande comunicador”, ressalta Ricardo Gouveia.
Além de ter se inspirado em amigos e familiares para criar a narrativa
de Dom Pantero – que também é a sua própria –, o autor, como sempre
muito perspicaz e bem-humorado, também inseriu críticas que foram
publicadas em grandes jornais do Brasil sobre suas obras, mas
atribuindo-as a diários de cidades interioranas nordestinas.
Escreve, desenha, rasura, reescreve e rasura mais uma vez. Em 33
anos, não foram poucas as mudanças realizadas por Ariano no seu romance.
Montado a mão, o autor ia tirando cópia do que escrevia e fazendo as
colagens das ilustrações. “Ele compartilhava conosco as mudanças.
Enquanto reescrevia, lia algumas partes e mostrava como estava o
andamento do livro”, lembra Zélia.
“Sua ideia inicial era de publicá-lo acompanhado de um DVD onde
estariam reunidos trechos das aulas espetáculos que dialogavam com a
história, mídia que foi substituída por QR codes”, complementa Carlos
Newton. Ao leitor e espectador muito atento, passagens das apresentações
do paraibano não passarão despercebidas em trechos d’O Romance de Dom
Pantero no Palco dos Pecadores.
A simbiose entre a ficção e a realidade é muito bem construída e
chega a ultrapassar as páginas do livro, indo até a fazenda Carnaúba, em
Taperoá, no Cariri paraibano, cenário bastante característico e próprio
do imaginário de Ariano. Manuel Dantas está realizando um dos sonhos de
seu pai, o de concretizar a Ilumiara Jaúna que ilustra o livro. A pedra
de mais de 30 metros de comprimento está sendo esculpida pelo filho com
os desenhos criados pelo pai. “Tenho ainda um projeto maior de realizar
espetáculos lá afazendo. Estou também planejando uma exposição com as
litogravuras do meu pai, os originais do livro e outros material”,
finaliza. O legado de Ariano Suassuna continuará, sem dúvidas, vivendo.
Por Valentine Herold, no JC Online/
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