O economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), classificou ontem à noite em Curitiba como
“heróis” os brasileiros de famílias pobres capazes de conciliar o
trabalho com o estudo.
“No Brasil, dificilmente um filho de rico começa a trabalhar antes de
terminar a graduação ou, em alguns casos, até mesmo a pós-graduação”,
observou Pochmann.
“Os brasileiros pobres que estudam e trabalham são verdadeiros heróis.
Submetem-se a uma jornada de até 16 horas diárias, oito de trabalho,
quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais do que
os operários no século XIX.”
O presidente do Ipea foi um dos palestrantes na abertura da terceira
edição do Seminário Sociologia & Política, ao lado da professora Celi
Scalon (UFRJ), no Teatro da Reitoria da UFPR. “Repensando
Desigualdades em Novos Contextos” é o tema geral do seminário.
Promovido pelos programas de pós-graduação em Sociologia e em Ciência
Política da instituição, o evento termina nesta quarta-feira (28).
Pochmann lembrou que o Brasil levou cem anos, desde a proclamação da
República, em 1889, para universalizar o acesso das crianças e
adolescentes ao ensino fundamental. “Mas esse acesso foi condicionado
ao não crescimento dos recursos da educação, que permaneceram em torno
de 4,1% ou 4,3% do PIB. Sem ampliar os recursos, aumentamos as vagas
com a queda da qualidade do ensino.”
Essa universalização do ensino fundamental, no entanto, não significa
que 100% dos brasileiros em idade escolar estejam estudando. Segundo
dados apresentados pelo dirigente do Ipea, ainda existem 400 mil
brasileiros com até 14 anos fora da escola. Se essa faixa etária for
estendida para 16 anos, a cifra salta para 3,8 milhões de pessoas.
“A cada dez brasileiros, um é analfabeto. E ainda temos cerca de 45%
analfabetos funcionais. É muito difícil fazer valer a democracia com
esse cenário.”
Em sua fala, Marcio Pochmann também abordou temas como a redução da
taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, o crescimento da
população idosa, o monopólio das corporações privadas transnacionais e
a concentração da propriedade da terra.
“O Brasil não fez uma reforma agrária, não democratizou o acesso à
terra. Temos uma estrutura fundiária mais concentrada do que em 1920,
com o agravante de que parte dela está nas mãos de estrangeiros”,
afirmou o economista. “De um lado, 40 mil proprietários rurais são
donos de 50% da terra agriculturável do país, e elegem de 100 a 120
deputados federais. De outro, 14 milhões trabalhadores rurais, os
agricultores familiares, elegem apenas de seis a dez deputados.”
Para Marcio Pochmann, a desigualdade é um produto do
subdesenvolvimento. “Não que os países desenvolvidos não tenham
desigualdade, mas não de forma tão escandalosa.”
Nem revolucionário, nem reformista
Segundo o presidente do Ipea, a participação dos 10% mais ricos no
estoque da riqueza brasileira não mudou nos últimos três séculos.
Permanece estacionada na faixa percentual em torno de 70 a 75%.
“Somos um país de cultura autoritária, com 500 anos de história e
menos de 50 anos de vivência democrática. O Brasil não é um país
reformista e muito menos revolucionário”, sentencia Pochmann. “A baixa
tradição de uma cultura partidária capaz de construir convergências
nacionais nos subordina a interesses outros que não os da maioria da
população.”
Marcio Pochmann afirmou que os ricos não pagam impostos no Brasil.
“Quem tem carro, paga IPVA. Quem tem lancha, avião ou helicóptero, não
paga nada. E o ITR [Imposto Territorial Rural] é só pra inglês ver”,
exemplificou. “Quem paga imposto no Brasil são basicamente os pobres.”
Um estudo do Ipea teria demonstrado que os moradores de favelas pagam
proporcionalmente mais IPTU do que os brasileiros que vivem em
mansões. “Quem menos paga é quem mais reclama de imposto. Tanto que
impostômetro foi feito no centro rico de São Paulo.”
Pochmann observa que o tema das desigualdes não gera manifestações,
não gera tensão. “Não há greve em relação às desigualdades.”
Trabalho imaterial
Na avaliação de Márcio Pochmann, a sociedade mundial está cada vez
mais assentada no que ele chama de “trabalho imaterial”, associado a
novas tecnologias de informação, como aparelhos celulares e
microcomputadores. “O trabalhador está cada vez mais levando trabalho
pra casa.”
Essa sociedade do trabalho imaterial, conforme o dirigente do Ipea,
pressupõe uma sociedade que tenha como principal ativo o conhecimento.
“Pressupõe o estudo durante a vida toda, e o ensino superior apenas
como piso.”
Pochmann criticou ainda a forma como a comunidade acadêmica tem
tratado o tema das desigualdades no país. “O tema tem sido apresentado
de forma muito descritiva e pouco de enfrentamento real e efetivo. Em
que medida a discussão está ligada a intervenções efetivas, a
políticas que possam de fato alterar a realidade como a conhecemos?”
Na avaliação dele, a fragmentação e a especialização das ciências
sociais aprofundariam o quadro de alienação sobre o problema das
desigualdades.
“As pesquisas não mudam a realidade. Quem muda a realidade é o homem.
Agora, as pesquisas, as teorias mudam o homem. Se mudarem o homem, ele
muda a realidade. Nada nos impede de fazer isso, a não ser o medo, o
medo de ousar.”
por Fernando César Oliveira, site da UFPR
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