A intensidade e a quantidade de mudanças ocorridas na Terra nos
últimos 200 anos são de tal monta que hoje os cientistas já consideram
que estamos em uma nova era, o antropoceno. Ou seja, a ação humana já se
faz presente no tempo geológico, o tempo de transformação das rochas
terrestres. Essa ideia foi ventilada pela primeira vez pelo químico
holandês Paul Crutzen, premiado com o Nobel em 1995 por seus estudos
sobre como a atividade humana modificou a composição da atmosfera (em
função de alterações na camada de ozônio).
Pois bem. De forma oposta a esse tipo de ação que modifica o espaço e
acelera nossas ações no tempo, coisas tão típicas da modernidade, o que
remanesce das culturas indígenas nos mostra uma relação totalmente
diversa em relação a essas variáveis tão importantes para a vida.
É o que mostra o livro Vozes ancestrais – dez contos indígenas
(FTD), do escritor Daniel Munduruku, nome já consagrado no universo da
literatura infantojuvenil e o mais prolífico autor de obras sobre as
diversas culturas dos índios brasileiros.
Nesta sua nova obra, Munduruku reúne pequenos contos e mitos de
diferentes nações indígenas espalhadas por todo o território brasileiro,
muitas delas hoje com poucos remanescentes.
Nessas histórias, os mitos fundadores, a ideia de um tempo longo e de
um espaço a ser descoberto e respeitado estão sempre presentes. São
esses os elementos capazes de nos ensinar e dar sentido à vida coletiva.
Seja na narrativa que revela astúcia e esperteza, como é O macaco e a
onça, do povo Kadiwéu, do Mato Grosso do Sul, seja na lenda da conquista
da harmonia por meio da criação de dois bonecos irmãos que se tornam
homens para levar a seu povo características complementares (A origem
das marcas, do povo Kaingang, do Sul e Sudeste do Brasil), a ciência nas
relações com tempo e espaço permeia os relatos.
E, indício de que o mundo contemporâneo não deixa de bater às portas
dos povos indígenas, a narrativa não deixa de revelar que também nesse
universo os tempos estão se acelerando e encurtando. É o que transparece
no ritual de A festa da moça nova, dos Tikuna Magüta, do Amazonas.
Nele, um rito de passagem marca a transformação da menina em mulher.
Para que se dê a passagem, a moça tem de se isolar por um tempo em que
manterá contato apenas com a mãe, período durante o qual tecerá o tucum,
um tipo de bolsa a ser entregue à mãe ou outra pessoa que a tenha
acompanhado no lugar dela nesse tempo. Depois dessa fase de isolamento,
uma festa irá selar a passagem. O detalhe: antes, esse período de
resguardo se alongava por até um ano. Agora, está restrito a um mês.
Para os nossos olhos de cá fora, parece justo. Mas o que significará
isso para os deuses?
Por Rubem Barros/Revista Educação
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