O aluno chega à sala de aula, senta
em sua carteira, coloca o material sobre a mesa. O professor fala,
escreve no quadro e o estudante escuta e copia tudo em seu caderno. A
cena é, possivelmente, a que vem à cabeça da maior parte dos brasileiros
ao tentar lembrar das aulas vivenciadas no período escolar. Inclusive
nas disciplinas da área de ciências da natureza, em que há inúmeras
possibilidades para que o aluno investigue, crie hipóteses e coloque a
mão na massa.
O sistema em que o foco é o professor – e não o processo de aprendizagem –
é antigo e vem sendo reproduzido há muito tempo. Os atuais docentes da
educação básica, em geral, tiveram a mesma experiência ao longo de sua
formação, desde o ensino fundamental até a graduação. O mesmo acontece
com os pais, os gestores e os próprios alunos. Nesse cenário, sair da
lógica vigente no país e implementar um ensino com maior protagonismo do
aluno torna-se uma tarefa árdua.
Liliane Miranda, professora de
química na rede pública em Arcos, Minas Gerais, conta que só conseguiu
enxergar outras possibilidades para além das aulas expositivas após
fazer uma pós-graduação em ensino de ciências por investigação. Desde
então, vem tentando implementar iniciativas que deem ao aluno a
possibilidade de protagonizar seu próprio processo de aprendizagem,
criar hipóteses e buscar soluções para problemas reais. Mudar a cultura
dos próprios alunos, porém, vem sendo um grande desafio. “Quando o
professor quer inovar, o aluno estranha. Pergunta se não tem nada pra
copiar”, conta.
Neste ano, a professora realizou um
projeto sobre lixo com os alunos do ensino médio. A proposta era
analisar como a comunidade em que vivem lida com o que descarta. “Os
alunos aplicaram questionários nas casas, para investigar qual o perfil
da comunidade em relação a lixo, a atitude referente a lixo e
patrimônio. O que observei é que a atitude prática, para eles, parece
que não é fazer científico”, diz a educadora.
Para driblar a desconfiança inicial e
a falta de familiaridade dos alunos com a proposta, Liliane fez um
longo trabalho de explicação de todas as etapas do processo de pesquisa.
“No final das contas, achei que foi bastante proveitoso. Mas não foi
fácil”, analisa.
Além da formação inicial nas
licenciaturas apresentar problemas, fazendo com que os professores só
tenham contato com modelos diferentes de ensino nas especializações, a
formação em serviço pouco tem contribuído com a melhora do quadro do
ensino de ciências. “O que mais se aborda na formação continuada é a
questão de avaliação, esquecendo que avaliação é o resultado. É preciso
pensar no processo em si”, avalia Jenifer Xavier, professora de ciências
e biologia na rede pública estadual de São Paulo.
A educadora, que estudou o ensino por
investigação em seu mestrado, afirma que há diversos entraves para
aplicar esse modelo de aula no dia a dia. No caso das aulas práticas, o
problema é a falta de infraestrutura: a escola em que trabalha, por
exemplo, não possui laboratório. No caso das aulas calcadas na
realização de leituras de textos, elaboração de hipóteses e discussões – foco de suas pesquisas – o maior desafio é a cultura escolar.
“Aulas em que você instiga o aluno a
falar são aulas que geram um pouco mais de barulho. Isso incomoda o
gestor. Há a tradição de que o aluno só aprende em silêncio, mas, na
verdade, ele aprende quando há troca”, afirma.
Segundo Jenifer, o primeiro passo
para colocar em prática o ensino por investigação é justamente
estabelecer um canal de comunicação com o estudante. “Às vezes, você vê
que o aluno não escreve, mas, oralmente, tem raciocínio maravilhoso”,
explica. Por isso, é importante instigar a turma a elaborar hipóteses em
voz alta, passando por cima do medo de errar ou de ser julgado pelo
professor.
Mas os desafios não se restringem à
rede pública. Nas escolas particulares, apesar da infraestrutura não ser
um problema, há a pressão do vestibular, e, em alguns casos, a ideia de
que para ser aprovado é preciso ter abordagem conteudista. “Estudantes,
pais, gestores e o próprio professor precisam enxergar que, ao
desenvolver projetos, adquirem habilidades que não adquirem decorando
conceitos”, diz Aline Geraldi, professora de biologia e física do ensino
fundamental e médio na rede particular em Jundiaí (SP).
Além de ser professora, Aline também
orienta projetos de iniciação científica dos alunos na escola onde
trabalha, inclusive buscando parcerias com universidades. Na sala de
aula, diz procurar instituir aulas com metodologias ativas, instigando
os alunos a criar hipóteses. Mas analisa que nem sempre o docente tem
essa liberdade. “É complicado para todos os educadores porque temos
material didático para cumprir, um currículo extenso. Quando a escola dá
autonomia para o professor, fica mais fácil.”
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