Falar do Dia Internacional da Mulher é importante, mas esse trabalho precisa ser feito o ano todo
Basta dar uma olhada nos livros para perceber como uma grande parte
dos personagens apresentados são homens. São figuras como heróis,
cientistas, artistas, revolucionários, militares, políticos e líderes
religiosos, sempre homens. Isso não significa que as mulheres tenham
tido um papel tão secundário na sociedade. Apenas que a história nem
sempre as valoriza de modo justo. Um cenário que pode ter reflexos no
desenvolvimento de meninas de hoje e deve ser visto com atenção na
escola.
Ao não se verem representadas, as garotas podem, mesmo
que inconscientemente, acreditar que não conseguem ou não podem exercer
determinada carreira ou função. Por isso, discutir a origem do Dia Internacional da Mulher
é importante, mas o trabalho de valorização das meninas – e de outras
minorias – deve ser constante. E esse deve ser um dos objetivos da
escola, pois é nela que as crianças e adolescentes passam grande parte
de seu tempo e recebem muitos insumos para sua formação escolar e
pessoal.
Situações de machismo podem ocorrer durante as aulas de
qualquer disciplina e em qualquer situação escolar. Falas ou atitudes
que podem parecer uma simples brincadeira para alguns, na verdade são
gestos que ofendem e desestimulam uma aluna, além de darem aos garotos a
ideia de superioridade. Portanto, uma dica é conversar com as colegas e
alunas para saber se aquela piada está sendo ofensiva.
Um foco
de atenção especial é a aula de Educação Física. O problema é conhecido:
meninos são incentivados e meninas, não. Ainda hoje, há quem ache
normal os garotos terem todo o tempo da Educação Física ou do recreio
para jogar, enquanto elas ficam em um cantinho da quadra ou nem
participam da aula. E, quando o fazem, muitas vezes não são incentivadas
a jogar futebol, tendo de ficar apenas com vôlei ou handebol, como se
existisse uma divisão entre “esportes de meninos” e “esportes de
meninas”. Portanto, deixe essas ideias no passado e estimule crianças de
ambos os sexos a praticar todos os esportes.
Nas áreas de
exatas, as notícias também não são muito animadoras. Segundo dados do
Censo Escolar de Educação Superior de 2013, as mulheres representam 77%
do total de matrículas nos cursos das áreas de Saúde e bem-estar social,
73% nos de Educação, mas somente 32% nos da área de Engenharia,
Produção e Construção e 31% dos das áreas de Ciências, Matemática e
Computação.
Segundo Jane Reolo, blogueira de tecnologia de
NOVA ESCOLA, os professores precisam trabalhar os motivos históricos e
sociais disso. “As áreas de exatas são cruciais para o desenvolvimento
das civilizações. Sendo assim, tecnologia passou a significar poder.
Esse poder acabou centralizado no homem, branco e europeu”, comenta.
“Dessa forma, as mulheres e principalmente as mulheres negras não se
encaixavam como figuras detentoras desse conhecimento. Por isso, elas
acabam indo para outras profissões.”
Para desconstruir essas
ideias é preciso questionar privilégios. Por meio de uma abordagem
histórica do que era permitido para homens e mulheres durante diversas
épocas, fica claro o motivo de aparecerem poucas cientistas nos livros.
“Os graus de conhecimento que alguém tem de um objeto é equivalente à
manipulação que ele faz desse objeto”, explica Jane. “Então, se as
mulheres eram impedidas de trabalhar com a tecnologia durante a
história, é óbvio que elas não terão um grau de conhecimento e de
desenvolvimento de tecnologia igual ao dos homens”. Leia essa matéria e conheça importantes cientistas negras que mudaram a história dos Estados Unidos.
Meninas de minorias
A
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo é uma referência na
formação de engenheiros e tem uma divisão por gênero ainda mais
acentuada que a média nacional: 82% dos estudantes são homens e 59%
pertencem à classe segundo pesquisa Datafolha de 2016. Mas esses números
ficam ainda mais impactantes quando se vê que apenas sete mulheres
negras se formaram nos 121 da faculdade, de acordo com o Grupo de
Estudos de Gênero da Escola Politécnica (Poligen).
É nesse
contexto que Larissa Mendes, jovem negra e do Capão Redondo (bairro da
periferia de São Paulo), se insere como uma das poucas pessoas negras na
escola. Ela não se lembra de questões étnico-raciais ou de valorização
da mulher serem abordadas durante sua vida escolar e considera que falta
incentivo por parte de professores e familiares. “Todo mundo incentiva
muito mais os meninos a seguirem carreiras de exatas. As pessoas
precisam chegar nas meninas e falar ‘Sabia que você podia fazer
engenharia?’”, diz ela.
Além da felicidade por ter ingressado em
sua faculdade dos sonhos, Larissa também fica muito feliz por ser um
exemplo para outras mulheres. “Muitas pessoas entram em contato comigo
falando que estavam pensando em desistir de ingressar em uma faculdade
de engenharia, mas, ao saberem da minha história, resolveram continuar
tentando. É importante as pessoas verem que, se outras como elas
conseguiram, elas também podem.”
Isso deve ser trabalhado desde a
Educação Infantil. Um exemplo disso vem do Bom Retiro, bairro central
de São Paulo conhecido pelas lojas de roupas baratas fabricadas por
trabalhadores imigrantes. A EMEI Prof. Alceu Maynard de Araújo tem
muitos alunos africanos e de países da América do Sul, como Bolívia e
Peru. Faz parte do projeto da instituição apresentar figuras femininas e
abordar a importância das mulheres em diversas áreas, como ciências,
cultura e política.
Além de questões relacionadas à valorização
da mulher, no mesmo projeto também são abordadas outras formas de
representatividade. Pensando nas características da comunidade escolar,
um ponto de atenção é procurar trazer biografias de mulheres com
características culturais e físicas em comum com as crianças.
Para
Sara Mendes, professora da turma de 5 anos da Educação Infantil, o
trabalho com crianças é difícil, uma vez que nem sempre é possível
abordar as questões de forma tão direta. Entretanto, o racismo já
aparece desde a infância. “As crianças africanas e bolivianas costumam
ter uma autoestima muito baixa. Precisamos desenvolver nelas a confiança
para que consigam enfrentar o racismo com muito mais garra que a
geração passada, que cresceu acreditando que era feia”, diz a
professora, que também é militante do movimento feminista Marcha Mundial
das Mulheres. (Não se assuste com a palavra feminista. A matéria de capa
de setembro de 2016 de NOVA ESCOLA ajuda você a entender o movimento e
como ele está mudando as escolas). “Conhecer aspectos positivos da
história do seu povo e ter referências ajuda bastante”, completa.
Os
livros infantis e juvenis também são um grande instrumento para
trabalhar a questão da representatividade. “Ver-se na literatura é fácil
para as meninas brancas. A maioria absoluta das princesas conhecidas é
branca. Não é o caso das meninas negras, pois mulheres negras são
constantemente retratadas como serviçais. Isso precisa ser quebrado e a
Educação é um ótimo espaço para isso”, diz Jane Reolo. Quer dicas de
livros para esse trabalho? O tumblr 100 Livros Infantis com Meninas Negras indica vários contos com protagonistas negras. Se você prefere casos reais, o recém-lançado Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes é um material valioso para isso por apresentar histórias sobre a vida de 100 mulheres que marcaram o mundo.
Por Nairim Bernardo/Nova Escola
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