domingo, 12 de fevereiro de 2012

Eric Debarbieux fala sobre o combate ao bullying

Especialista francês defende que duas condições são essenciais para que as escolas lidem com problemas como o bullying: a estabilidade do corpo docente e a construção de um bom clima

Eric Debarbieux. Foto: Delphine Barreau                                             
A violência nas escolas só pode ser enfrentada se tratada em profundidade, com formação docente específica, incentivo à solidariedade e aumento da proximidade entre professores e alunos. Essa é a avaliação do especialista francês Eric Debarbieux, autor do primeiro plano nacional de combate ao bullying nas escolas da França. Câmeras de vídeo? Detectores de metais? "São inúteis", de acordo com o autor de obras como Violência na Escola: Um Desafio Mundial Os Dez Mandamentos Contra a Violência na Escola. Há sete anos Debarbieux dirige o Observatório Internacional da Violência nas Escolas, em Bordeaux, cargo que ocupou após realizar uma ampla pesquisa no Brasil, onde foi diretor de Pesquisa e Avaliação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A experiência, realizada com 11,5 mil estudantes, lhe permitiu traçar um perfil do problema nas escolas brasileiras. 

Que tipo de atos se enquadram no termo violência escolar?
Eric Debarbieux 
Fatos mais marcantes, como o massacre do Realengo (episódio em que um ex-aluno entrou armado em uma escola municipal do Rio de Janeiro em abril de 2011 e matou a tiros 12 estudantes), mas principalmente as violências cotidianas que têm como característica a repetição. No mundo inteiro, um grande número de alunos sofre com ações desse tipo diariamente. E elas podem ser banais, como receber um apelido maldoso ou sofrer pequenos empurrões. As pesquisas apontam que, embora sejam atos relativamente simples, envolvendo alunos ou professores, o fato de eles se repetirem à exaustão é grave. A violência explícita, com agressões físicas ou mortes, é muito excepcional e infelizmente difícil de neutralizar porque constitui crimes como outros quaisquer. 

É possível determinar as causas desse problema?
Debarbieux 
Elas são múltiplas e determinadas pela soma de certo número de fatores de risco presentes no cotidiano dos envolvidos. Um deles é o pessoal, ligado ao temperamento de cada um, mas também influenciado pelas relações familiares e pelo meio social. Outro elemento importante é o ambiente da escola. Por exemplo, a estabilidade da equipe docente e a clareza das regras escolares são aspectos determinantes para que se alcance a proteção almejada. Na França, identificamos que as escolas mais problemáticas são aquelas que têm o corpo docente mais instável. Sem um grupo perene e que conviva de forma sadia, é difícil fazer algo contra a violência escolar. É uma questão de solidariedade e de exposição ao risco: você fica menos exposto quando integra um grupo que seja solidário. 

O professor, de modo geral, é um profissional preparado para lidar com a violência na escola? 
Debarbieux 
Debarbieux Esse é um dos pontos essenciais a debater. Na maioria dos países, faltam docentes capacitados para enfrentar essa situação difícil. Fico impressionado com o fato de que os professores passem a vida trabalhando como líderes, tendo que manter o controle da classe, sem receber nenhuma formação específica para isso. É inacreditável, inclusive, porque as violências escolares surgem quase sempre dentro dos grupos de estudantes. 

O tipo de violência escolar mais popular no mundo hoje é o bullying?
Debarbieux 
Certamente. De acordo com nossas estimativas, a média mundial de alunos atingidos pelo problema fica entre 7 e 15%. Os graus de violência são diferentes. Segundo um grande estudo que fiz no Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), na França, cerca de 11% dos estudantes sofrem bullying, e 5% deles de uma forma severa. 

A solução está na gestão da escola?
Debarbieux 
Sim. O modo como uma escola é gerenciada e a atenção que os adultos dão ao bullyingtêm um grande impacto sobre os efeitos dessa violência. Sabe-se que há uma ligação muito forte entre a qualidade do clima e das relações pessoais na escola e a ocorrência de casos desse tipo. 

Existem países em que o bullying não se manifesta na escola?
Debarbieux 
Não. Entretanto os casos nos países do norte da Europa diminuíram em mais da metade em relação à média europeia desde que os governos assumiram um papel-chave para lutar contra isso, há mais de 20 anos. O Reino Unido também seguiu a mesma linha de adoção de políticas de prevenção. Mesmo assim, não podemos nos dar o direito de parar de evoluir. O fato de tratarmos violências menores não significa que estejamos lidando com uma coisa pequena e sem importância. As pesquisas mostram que, em termos de atos mais graves, como os que envolvem matanças nos Estados Unidos, 75% dos alunos que foram à escola armados e mataram colegas eram vítimas debullying.
Como recuperar os envolvidos com o bullying
Debarbieux 
É preciso mostrar ao jovem agressor as consequências do que faz. Frequentemente, trata-se de um garoto inofensivo, que quer se afirmar e, ao se colocar nesse papel, sente-se mais forte que os demais. Por isso também é importante desenvolver a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, a conscientização de que esse tipo de situação é prejudicial para todos - e isso não se faz apenas com eventuais lições de moral. A pessoa violenta sempre pensa que a culpa é da vítima. E a simples punição para que isso não se repita não é uma solução, inclusive porque muitas vezes piora o problema e pode até gerar atos de vingança. 

Medidas de segurança e repressão ajudam nesse processo?
Debarbieux 
Há uma série de providências espetaculares contra o bullying: instalação de câmeras de segurança, reforço do policiamento e implantação de medidas repressivas. Mas nenhuma ação pontual funciona de verdade. O fenômeno precisa ser tratado no longuíssimo prazo e a solução-milagre não existe. Há muitas experiências positivas sobre a justiça restaurativa e punições construtivas. Ao mesmo tempo que precisamos cuidar da vítima e reconstruir a sua identidade, devemos reparar o agressor: não apenas por caridade, mas por necessidade. 

E quanto ao cyberbullying, que na maioria das vezes tem um agressor oculto? 
Debarbieux 
No cyberbullying, a violência começa no horário das aulas e continua durante o restante do dia e a noite inteira. O aluno recebe uma metralhada de mensagens no celular, em seu e-mail ou nas redes sociais, como o Facebook. É muito difícil quebrar a lógica de que insultar o colega na internet é engraçado. E não há outra solução a não ser intensificar a colaboração existente entre a escola e a família. 

A violência física nas escolas é caso de polícia ou assunto para ser resolvido internamente?
Debarbieux 
Depende de como se considera a polícia. Se os policiais são simplesmente brutamontes que estão atrás de bandidos, esqueça. É preciso lembrar que a maioria das violências é pequena e não motiva uma intervenção externa. Apenas com repressão, não diminuiremos as taxas de violência, já que o objetivo não é punir culpados, mas evitar que haja vítimas. Por outro lado, se consideramos a polícia uma aliada no trabalho educacional, pode ser extremamente interessante. Quando estive no Brasil, acompanhei a ação extraordinária das brigadas escolares em Brasília. Havia jovens policiais mulheres que mostravam de forma clara o que era a lei. 

Qual sua visão sobre o quadro da violência escolar no Brasil?
Debarbieux 
A pesquisa da Unesco que fizemos aí foi muito interessante. Ela mostrou que há violência e problemas. Entretanto, se comparamos esses resultados com os de outros países, eles foram bastante favoráveis. Nós pesquisamos alunos de 10 a 16 anos em escolas públicas de todo o país. A forma como eles veem os professores é muito positiva. Não romantizo de forma alguma essa situação. Mas é preciso reconhecer que os professores são muito mais próximos dos alunos do que em outros locais onde talvez eles sejam mais bem formados, mas não conseguem estabelecer essa relação. Em zonas onde a violência faz parte do cotidiano, como na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, as escolas se mantinham, dentro do possível, protegidas. Há fatores paternalistas, como o fato de o filho do principal traficante estudar ali. Mas, em geral, no Brasil, a escola é um capital social. Ela faz parte da comunidade e, por isso, consegue se proteger parcialmente do que há de ruim nela. Em São Paulo, por exemplo, há escolas com grades e policiais na entrada, mas elas permanecem de portas abertas para a comunidade participar de atividades. 

Após o caso de Realengo, muito se falou sobre o motivo que levou o agressor a escolher uma escola para atacar. Que aprendizados podemos extrair desse episódio?
Debarbieux 
Isso é uma prova de que é preciso tratar as pequenas violências do cotidiano para evitar as mais graves. Massacres escolares como esse não acontecem todos os dias. No mundo, deve ter havido talvez uns 30 desde 1960. Não é por isso que vamos colocar detectores de metais, policiais e câmeras em toda escola. Em primeiro lugar, custa absurdamente caro. E, em segundo, já sabemos que seria inútil. Na França, uma reflexão emergiu no ano passado no âmbito político porque, em um estabelecimento considerado um dos mais seguros do país, um aluno morreu esfaqueado por outro. O ministro da Educação então notou que a polícia na porta e as imagens de vídeos não serviram para nada. Percebeu-se que só um trabalho complexo e no longo prazo teria efeitos. Foi a primeira vez que convenci um governo a preparar pessoas para formar os professores a fim de que eles pudessem enfrentar a violência nas escolas. Isso já é um começo.
Por Lúcia Müzell (novaescola@atleitor.com.br), de Paris

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Cientistas boicotam a maior editora de periódicos do mundo

Cientistas de todo o mundo estão participando de um boicote coletivo à Elsevier, a maior editora de periódicos científicos.

A tacada veio de um dos matemáticos mais conceituados de hoje. Timothy Gowers, da Universidade de Cambridge, sugeriu o boicote em seu blog, em janeiro.

Do outro lado do oceano, o também matemático Tyler Nylon, que fez doutorado na Universidade de Nova York e hoje trabalha em uma empresa que ele mesmo fundou, organizou um abaixo-assinado on-line contra a Elsevier.

O documento já conta com quase 5.000 assinaturas de cientistas que, por meio desse documento, se comprometem a parar de submeter seus trabalhos às cerca de 2.000 publicações científicas da Elsevier, que edita títulos como "Lancet" e "Cell".

O motivo da revolta tem a ver com dinheiro. A Elsevier, assim como a maioria das editoras científicas comerciais, cobra caro para publicar um artigo aceito (após a chamada "revisão por pares") e também cobra pelo acesso ao conteúdo dos periódicos.

Trocando em miúdos: os pesquisadores pagam para publicar e para ler as revistas científicas com seus artigos.

Na ponta do lápis, a matemática sai cara. O governo brasileiro, por exemplo, gastou R$ 133 milhões em 2011 para que 326 instituições de pesquisa do país tivessem acesso a mais de 31 mil periódicos científicos comerciais.

Os dados são da Capes (Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que faz parte do Ministério da Educação.

"Parece que o movimento do livre acesso ao conhecimento científico deu um passo importante com esse movimento internacional", afirma Rogério Meneghini.

Ele é coordenador do Scielo, uma base que reúne 230 periódicos científicos brasileiros com acesso aberto.

"Gowers tem uma medalha Fields, o que equivale a um 'Nobel' na matemática. Isso dá credibilidade", afirma Meneghini.



CIÊNCIA FECHADA
Um dos fatores que impulsionaram o crescimento do movimento contra a Elsevier é o apoio que a empresa tem dado ao "Research Works Act", um projeto de lei que tramita no Congresso dos EUA desde dezembro de 2011.
A iniciativa busca impedir que instituições de pesquisa divulguem gratuitamente os trabalhos de seus cientistas.
Se entrar em vigor, vai afetar os NIH (Institutos Nacionais de Saúde), que têm a política de abrir o acesso aos estudos de seus cientistas.
O proponente original do projeto de lei é o deputado republicano Darrell Issa, que tem como copatrocinadora a democrata Carolyn Maloney. A Elsevier contribui para a campanha de ambos.
Maloney recebeu US$ 15.750 declarados entre 2009 e 2011, e Issa, US$ 2.000.
Segundo a ONG Maplight, a Elsevier desembolsou US$ 160 mil em campanhas eleitorais no período.
Por RAFAEL GARCIA/Folha.com
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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Promotora acusa Folha de incentivo à prostituição


PROMOTORA DE JUSTIÇA LUCIANA BERGAMO PEDE A CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS E COLETIVOS DA FOLHA DA MANHÃ, EDITORA DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO, POR PUBLICAÇÃO, EM ABRIL DE 2010, DE MATÉRIA NO CADERNO FOLHATEEN – DIRIGIDO A ADOLESCENTES – DE CONTEÚDO QUE INCENTIVARIA A PROSTITUIÇÃO VIRTUALPromotora acusa Folha de incentivo à prostituição

O Ministério Público paulista entrou com ação civil contra a Empresa Folha da Manhã, editora do jornal Folha de S. Paulo. O motivo foi a publicação de matéria no caderno Folhateen – dirigido ao público adolescente – de material que incentivaria a prostituição virtual.
Na ação, a promotora de justiça Luciana Bergamo pede a condenação da empresa na forma de indenização por danos morais difusos e coletivos. A promotora pede que o valor da condenação não seja inferior ao que o jornal arrecadou com a venda daquela edição, publicado em 5 de abril de 2010.
A reportagem contestada pelo MP tinha o título “Faturando com Sensualidade”. No subtítulo o jornal acrescentava: “shows sensuais na webcam, venda de calcinhas usadas e ensaios fotográficos rendem grana extra a meninas, mas podem acabar em preconceito”.
A reportagem trazia o relato de jovens adultas, entre 20 e 26 anos de idade, que encontraram na exploração de sua sensualidade (shows sensuais na internet, venda de calcinhas usadas e ensaios fotográficos) oportunidade para ganhar dinheiro.
A publicação gerou uma série de representações ao Ministério Público, enviadas por cidadãos indignados com o conteúdo do caderno “pelo nítido estímulo à prostituição, ainda que “virtual”, e ao desenvolvimento precoce da sexualidade”.
A promotora de Justiça destaca que a matéria se mostra “absolutamente inadequada ao público alvo do caderno, porque não levou em conta a condição peculiar dos adolescentes leitores de pessoas em processo de desenvolvimento”.
De acordo com Luciana Bergamo, a matéria, publicada em caderno destinado especificamente ao público juvenil, estimula a exposição precoce da sexualidade, ao apontar os ganhos decorrentes da atividade apresentada pelas moças, com pretensa naturalidade, e sem alertar os jovens leitores, na mesma medida, dos possíveis prejuízos psíquicos advindos com as práticas expostas.
Ainda segundo a promotora de justiça, com a publicação o jornal “violou direitos fundamentais atinentes à personalidade, ao respeito e à dignidade de indeterminável número de adolescentes que tiveram acesso ao seu conteúdo”.
A promotora também sublinha que “não se trata de negar aos jovens leitores o direito de tomar conhecimento da realidade à sua volta. A forma como essa realidade foi exposta, entretanto, pecou pela falta de atenção ao desenvolvimento psicossocial do adolescente, em flagrante desrespeito à doutrina da proteção integral que informa o direito da criança e do adolescente”.
O MP tentou um acordo com o jornal, buscando que a empresa publicasse nova matéria sobre o assunto, em idêntico espaço, tratando dos prejuízos físicos e emocionais decorrentes da “prostituição virtual” ou praticada por meio da rede mundial de computadores, inclusive, com a divulgação da opinião de especialistas. O jornal, entretanto, não aceitou o que levou ao ajuizamento da ação civil pública.
Por Fernando Porfírio _247 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Brasil tem mais de 1 milhão de jovens ociosos Adolescentes não trabalham nem estudam. Duas barreiras têm impedido o desenvolvimento de boa parte dessa população: a pobreza e a violência

Nem na escola nem no mercado de trabalho. Mais de 1,1 milhão de adolescentes brasileiros, o equivalente a 5,4% da população nessa faixa etária no país, não frequentam o ensino médio ou fundamental e também estão distantes de empregos formais e informais que possam agregar renda à família e ocupação para os jovens. No Paraná, a média de adolescentes ociosos é ainda maior: chega a 6,9% dos habitantes entre 12 e 17 anos no estado. Os números, que colocam em foco uma faixa etária que corresponde hoje a 11% da população brasileira, são parte do estudo Situação da Adolescência Bra­­sileira 2011, lançado no fim de novembro pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Apesar de registrar avanços na maioria dos indicadores analisados entre 2004 e 2009, o relatório reforça a existência de duas barreiras que, ao longo dos últimos anos, têm se mostrado intransponíveis para o desenvolvimento de boa parte dos adolescentes brasileiros: a pobreza e a violência. O número de jovens vivendo em famílias extremamente pobres aumentou, enquanto a tendência na população geral foi de queda. Aliado a isso, o número de homicídios envolvendo adolescentes manteve-se estável, em um patamar considerado preocupante pelo Unicef. Segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a cada dia são assassinados 11 adolescentes no país.

Para especialistas, a presença da pobreza entre os jovens potencializa outras vulnerabilidades, dificultando o acesso do adolescente à escola e forçando que ele assuma o papel precoce de chefe de família – justamente aquele adolescente que, ao assumir responsabilidades incompatíveis com sua idade, deixa
de estudar ou de encontrar lugar no mercado de trabalho formal. Hoje, 661 mil ca­­sas têm à frente jovens entre 15 e 19 anos e 132 mil domicílios são chefiados por meninos e meninas de 10 a 14 anos.

Políticas integradas - O retrocesso em parte dos indicadores, em contrapartida aos avanços econômicos e sociais vivenciados nos últimos anos no Brasil, mostra que a mudança desse cenário não passa por soluções fáceis. A figura da escola como principal e único meio de salvação do adolescente, ainda enraizada no senso comum, é simplista, defende a psicóloga e educadora do Projeto Não Violência Joyce Kelly Pescarolo. “Não adianta o Estado falar que o adolescente tem de frequentar a escola, em vez de trabalhar ou estar na rua, se não se dá para essa família capacidade para que esse jovem possa só estudar”, avalia. “Mesmo que todos os adolescentes frequentassem a escola, ela, por si só, não daria conta de responder a todas essas demandas sociais.” Além da adoção de políticas públicas abrangentes que atinjam especificamente a população en­­­tre 12 e 17 anos, o estudo do Uni­­­cef também defende uma mudança cultural na própria percepção da figura do adolescente, ainda visto por pais, educadores e pela mídia como sinônimo de problemas, irresponsabilidade e transgressão. “Há um discurso de que as crianças e adolescentes são o futuro do país, mas os próprios adultos não os encaram assim. Enquanto não se olhar o adolescente como alguém que pode, sim, gerar mudanças positivas, ele nunca vai ver realizado esse potencial”, diz a psicóloga Adriana Cristina de Araújo Bini.

Amanda prova que é possível escapar dos estereótipos - Moradora do Bairro Colônia Rio
Grande, em São José dos Pinhais, a jovem Amanda Thais de França foge do estereótipo do adolescente irresponsável e em profunda crise de identidade. Alvo de crítica de acadêmicos e educadores, a generalização não encontra respaldo na rotina da garota de 15 anos, que se divide com afinco entre os estudos, o trabalho e o curso profissionalizante. Amanda é uma das estudantes do programa Jovem Aprendiz, desenvolvido pelo Se­­nai em parceria com o Programa de Ação Comunitária e Ambien­­tal (ProAção), braço da Rede Marista de Solidariedade. A adolescente, que ingressou no curso em fevereiro junto com uma amiga, garante que a iniciativa, apesar de contar com o apoio dos pais, partiu dela mesma. Ainda que o dia a dia seja puxado (Amanda também cursa o segundo ano do ensino médio e trabalha como aprendiz em uma empresa da cidade), a jovem não dá sinais de esgotamento. A disposição é típica da idade, mas tem motivações extras.

Jovem Aprendiz - “Dá pra conciliar tudo, se tiver força de vontade. Eu e minha amiga comentamos que fazemos tudo isso não porque gostamos, mas porque temos de pensar no nosso futuro”, diz Amanda. O Programa Jovem Aprendiz é só uma das opções de cursos gratuitos oferecidos no ProAção de São José dos Pinhais. A unidade, inclusive, está com inscrições abertas para os cursos de auxiliar administrativo e auxiliar de logística, ministrados pela equipe de docentes do TECPUC, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Segundo o coordenador pedagógico do ProAção, Douglas Las­­koski, os cursos têm como público principal justamente os adolescentes de menor renda, que não teriam condições de pagar pelo ensino profissionalizante em outras instituições.
Por Rafael Waltrick/Gazeta do Povo

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Os 50 anos da maior lei brasileira para a educação Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) completa meio século em plena discussão do novo plano de metas do País para a área

Repleta de emendas e com diversos artigos que não foram cumpridos, a principal lei do Brasil para a educação completou meio século no momento em que o País discute as metas da área para a próxima década por meio do Plano Nacional de Educação (PNE). Foi justamente ela - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - que instituiu a criação do plano, em sua última versão.
O ensino supletivo, a obrigatoriedade da matrícula e o atendimento gratuito em creches e pré-escolas, entre outros direitos que hoje fazem parte da vida dos brasileiros, foram garantidos pela LDB, em diversos momentos da história do Brasil.
Há três grandes versões da LDB, sem contar os "remendos" e grandes reformas pelas quais ela passou no decorrer dos anos: 1961, 1971 e 1996 - a mais atual, que está em vigor.
A primeira LDB foi sancionada em 20 de dezembro de 1961, durante o governo João Goulart, A questão, até hoje polêmica, do ensino religioso facultativo no sistema público foi um dos maiores embates. Foram necessários 13 anos de debate para que a primeira revolução educacional do Brasil acontecesse.
"A aprovação da lei de 1961 foi um grande avanço porque a legislação anterior era muito centralizadora. Não havia nada que competisse aos Estados e municípios", explica Nina Ranieri, vice-presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
Apesar do avanço, a lei de 1961 foi considerada uma "meia vitória" - expressão usada na época pelo educador Anísio Teixeira, uma das personalidades mais importantes da história da educação no Brasil,
Entre seus maiores gargalos, estão justamente o tímido efeito dos principais ganhos que ela trouxe: pouca autonomia dos municípios (ainda dependentes de Estados e da União) e pouca democratização de oportunidades educacionais na escola pública, que permaneceu elitizada.
"Além disso, houve uma fraca expansão dos cursos superiores destinados à formação de professores para a educação básica", lembra Francisco Cordão, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE). "Faltou investimento das universidades nesse ponto, embora tenhamos assistido à uma forte expansão do ensino normal, destinado a atuar nas escolas primárias."
Remendos. Em 1971, quando a segunda versão da LDB foi aprovada, o Brasil vivia um dos momentos mais críticos de sua história: a ditadura militar, em pleno governo Médici.
É dessa lei artigos como a instituição da educação moral e cívica no currículo. Ela também valorizava a educação profissional e instituía o ensino obrigatório dos 7 aos 14 anos. Outro ganho, segundo educadores, foi a criação dos supletivos.
"Esta foi a grande inovação promovida pelos militares, que possibilitou a milhares de brasileiros a retomada de seus estudos, tanto na modalidade suplência, para suprir sua escolaridade não concluída na idade própria, quanto nas modalidades de qualificação profissional e aprendizagem", explica Cordão, que defende que essa LDB não deve ser encarada como nova lei, mas como uma reforma da anterior.
Com a redemocratização do Brasil e a Constituição de 1988, veio a necessidade de se garantir novos direitos educacionais. A discussão começou com duas propostas da lei e se arrastou por anos. Só na Câmara dos Deputados, onde foram sugeridas 1.300 emendas, o projeto tramitou por cinco anos.
"Novos tempos". Em 20 de dezembro de 1996, exatos 35 anos após a primeira LDB, ela foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O relator foi o senador Darcy Ribeiro - a lei ficou conhecida como "Lei Darcy Ribeiro de Educação Nacional".
Foi essa LDB que debateu a autonomia universitária, discutiu a educação a distância, enxergou a educação infantil como etapa da educação básica e detalhou como o dinheiro para a área deve ser gasto. Há 15 anos em vigor, especialistas discutem se ela ainda é válida (leia mais abaixo).

Para especialistas, LDB aprovada em 1996 ainda é atual

Apesar do desrespeito a artigos e das mudanças que o País passou, educadores defendem a manutenção da lei

Não há número oficial sobre a quantidade de emendas e alterações que a última versão da LDB, de 1996, sofreu. Mas ela já foi modificada por pelo menos 28 leis - inclusive em 2011.
Demandas como a obrigatoriedade da matrícula dos 4 aos 17 anos e o ensino fundamental de nove anos, por exemplo, não constam na lei original - são criações recentes. Outras modificações também estão em discussão hoje no MEC, como o aumento da carga horária e uma nova base curricular.
"O Brasil sempre teve muita lei e pouca sistematização. São muitas as leis, de diversas fontes: governo federal, conselhos nacional e estaduais, decretos, resoluções", explica Nina Ranieri, do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. "Essa multiplicidade de fontes cria um emaranhado. A normatização de forma geral é efêmera, com exceção, é claro, da LDB. Por isso a importância: é uma lei substantiva, com normas e diretrizes."
Para alguns especialistas em educação, apesar da evolução - e também da manutenção de alguns gargalos do ensino brasileiro - , a lei de 1996 cabe dentro da realidade do País e, portanto, ainda não chegou o momento de discutir uma nova LDB.
"A lei que temos ainda dá conta. Ela sofreu emendas positivas que a adaptam às mudanças da vida real. Não precisamos de outra LBD, mas sim da aprovação urgente do Plano Nacional de Educação (PNE)", defende a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda.
A necessidade de aperfeiçoamentos, no entanto, é consenso entre os educadores. "A lei precisa de melhorias, mas, mais do que isso, precisa ser cumprida. Um exemplo é a questão da aplicação dos recursos obrigatórios dos municípios em educação, prevista em artigo, mas é sempre descumprida", afirma Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Entre os gargalos visíveis, ele destaca que a LDB poderia ter um caráter mais fiscalizador em relação ao seu descumprimento. "Ela poderia ao menos repetir o que há em outros dispositivos da legislação que tratam de punições aos agentes públicos que não cumprem a lei", explica. "Normalmente, é usada a lei de improbidade administrativa."
Callegari ainda destaca as exigências de formação superior e dos planos de carreira municipais dos professores como artigos não cumpridos.
Revisão. Já Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e membro do CNE, defende que a lei seja revisada. "A lei está em descompasso com a realidade e deve ser contextualizada e reescrita. Além disso, parece um Frankenstein: está toda remendada", diz ela, autora de um estudo sobre a atual LDB.
Segundo Maria Izabel, um dos tópicos mais problemáticos é a falta de um regime de colaboração entre os entes federativos. Para a educadora, temas como a educação rural, indígena e quilombola, entre outros, também devem ser rediscutidos. / M.M.
Por MARIANA MANDELLI - O Estado de S.Paulo