domingo, 12 de fevereiro de 2012

Eric Debarbieux fala sobre o combate ao bullying

Especialista francês defende que duas condições são essenciais para que as escolas lidem com problemas como o bullying: a estabilidade do corpo docente e a construção de um bom clima

Eric Debarbieux. Foto: Delphine Barreau                                             
A violência nas escolas só pode ser enfrentada se tratada em profundidade, com formação docente específica, incentivo à solidariedade e aumento da proximidade entre professores e alunos. Essa é a avaliação do especialista francês Eric Debarbieux, autor do primeiro plano nacional de combate ao bullying nas escolas da França. Câmeras de vídeo? Detectores de metais? "São inúteis", de acordo com o autor de obras como Violência na Escola: Um Desafio Mundial Os Dez Mandamentos Contra a Violência na Escola. Há sete anos Debarbieux dirige o Observatório Internacional da Violência nas Escolas, em Bordeaux, cargo que ocupou após realizar uma ampla pesquisa no Brasil, onde foi diretor de Pesquisa e Avaliação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A experiência, realizada com 11,5 mil estudantes, lhe permitiu traçar um perfil do problema nas escolas brasileiras. 

Que tipo de atos se enquadram no termo violência escolar?
Eric Debarbieux 
Fatos mais marcantes, como o massacre do Realengo (episódio em que um ex-aluno entrou armado em uma escola municipal do Rio de Janeiro em abril de 2011 e matou a tiros 12 estudantes), mas principalmente as violências cotidianas que têm como característica a repetição. No mundo inteiro, um grande número de alunos sofre com ações desse tipo diariamente. E elas podem ser banais, como receber um apelido maldoso ou sofrer pequenos empurrões. As pesquisas apontam que, embora sejam atos relativamente simples, envolvendo alunos ou professores, o fato de eles se repetirem à exaustão é grave. A violência explícita, com agressões físicas ou mortes, é muito excepcional e infelizmente difícil de neutralizar porque constitui crimes como outros quaisquer. 

É possível determinar as causas desse problema?
Debarbieux 
Elas são múltiplas e determinadas pela soma de certo número de fatores de risco presentes no cotidiano dos envolvidos. Um deles é o pessoal, ligado ao temperamento de cada um, mas também influenciado pelas relações familiares e pelo meio social. Outro elemento importante é o ambiente da escola. Por exemplo, a estabilidade da equipe docente e a clareza das regras escolares são aspectos determinantes para que se alcance a proteção almejada. Na França, identificamos que as escolas mais problemáticas são aquelas que têm o corpo docente mais instável. Sem um grupo perene e que conviva de forma sadia, é difícil fazer algo contra a violência escolar. É uma questão de solidariedade e de exposição ao risco: você fica menos exposto quando integra um grupo que seja solidário. 

O professor, de modo geral, é um profissional preparado para lidar com a violência na escola? 
Debarbieux 
Debarbieux Esse é um dos pontos essenciais a debater. Na maioria dos países, faltam docentes capacitados para enfrentar essa situação difícil. Fico impressionado com o fato de que os professores passem a vida trabalhando como líderes, tendo que manter o controle da classe, sem receber nenhuma formação específica para isso. É inacreditável, inclusive, porque as violências escolares surgem quase sempre dentro dos grupos de estudantes. 

O tipo de violência escolar mais popular no mundo hoje é o bullying?
Debarbieux 
Certamente. De acordo com nossas estimativas, a média mundial de alunos atingidos pelo problema fica entre 7 e 15%. Os graus de violência são diferentes. Segundo um grande estudo que fiz no Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), na França, cerca de 11% dos estudantes sofrem bullying, e 5% deles de uma forma severa. 

A solução está na gestão da escola?
Debarbieux 
Sim. O modo como uma escola é gerenciada e a atenção que os adultos dão ao bullyingtêm um grande impacto sobre os efeitos dessa violência. Sabe-se que há uma ligação muito forte entre a qualidade do clima e das relações pessoais na escola e a ocorrência de casos desse tipo. 

Existem países em que o bullying não se manifesta na escola?
Debarbieux 
Não. Entretanto os casos nos países do norte da Europa diminuíram em mais da metade em relação à média europeia desde que os governos assumiram um papel-chave para lutar contra isso, há mais de 20 anos. O Reino Unido também seguiu a mesma linha de adoção de políticas de prevenção. Mesmo assim, não podemos nos dar o direito de parar de evoluir. O fato de tratarmos violências menores não significa que estejamos lidando com uma coisa pequena e sem importância. As pesquisas mostram que, em termos de atos mais graves, como os que envolvem matanças nos Estados Unidos, 75% dos alunos que foram à escola armados e mataram colegas eram vítimas debullying.
Como recuperar os envolvidos com o bullying
Debarbieux 
É preciso mostrar ao jovem agressor as consequências do que faz. Frequentemente, trata-se de um garoto inofensivo, que quer se afirmar e, ao se colocar nesse papel, sente-se mais forte que os demais. Por isso também é importante desenvolver a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, a conscientização de que esse tipo de situação é prejudicial para todos - e isso não se faz apenas com eventuais lições de moral. A pessoa violenta sempre pensa que a culpa é da vítima. E a simples punição para que isso não se repita não é uma solução, inclusive porque muitas vezes piora o problema e pode até gerar atos de vingança. 

Medidas de segurança e repressão ajudam nesse processo?
Debarbieux 
Há uma série de providências espetaculares contra o bullying: instalação de câmeras de segurança, reforço do policiamento e implantação de medidas repressivas. Mas nenhuma ação pontual funciona de verdade. O fenômeno precisa ser tratado no longuíssimo prazo e a solução-milagre não existe. Há muitas experiências positivas sobre a justiça restaurativa e punições construtivas. Ao mesmo tempo que precisamos cuidar da vítima e reconstruir a sua identidade, devemos reparar o agressor: não apenas por caridade, mas por necessidade. 

E quanto ao cyberbullying, que na maioria das vezes tem um agressor oculto? 
Debarbieux 
No cyberbullying, a violência começa no horário das aulas e continua durante o restante do dia e a noite inteira. O aluno recebe uma metralhada de mensagens no celular, em seu e-mail ou nas redes sociais, como o Facebook. É muito difícil quebrar a lógica de que insultar o colega na internet é engraçado. E não há outra solução a não ser intensificar a colaboração existente entre a escola e a família. 

A violência física nas escolas é caso de polícia ou assunto para ser resolvido internamente?
Debarbieux 
Depende de como se considera a polícia. Se os policiais são simplesmente brutamontes que estão atrás de bandidos, esqueça. É preciso lembrar que a maioria das violências é pequena e não motiva uma intervenção externa. Apenas com repressão, não diminuiremos as taxas de violência, já que o objetivo não é punir culpados, mas evitar que haja vítimas. Por outro lado, se consideramos a polícia uma aliada no trabalho educacional, pode ser extremamente interessante. Quando estive no Brasil, acompanhei a ação extraordinária das brigadas escolares em Brasília. Havia jovens policiais mulheres que mostravam de forma clara o que era a lei. 

Qual sua visão sobre o quadro da violência escolar no Brasil?
Debarbieux 
A pesquisa da Unesco que fizemos aí foi muito interessante. Ela mostrou que há violência e problemas. Entretanto, se comparamos esses resultados com os de outros países, eles foram bastante favoráveis. Nós pesquisamos alunos de 10 a 16 anos em escolas públicas de todo o país. A forma como eles veem os professores é muito positiva. Não romantizo de forma alguma essa situação. Mas é preciso reconhecer que os professores são muito mais próximos dos alunos do que em outros locais onde talvez eles sejam mais bem formados, mas não conseguem estabelecer essa relação. Em zonas onde a violência faz parte do cotidiano, como na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, as escolas se mantinham, dentro do possível, protegidas. Há fatores paternalistas, como o fato de o filho do principal traficante estudar ali. Mas, em geral, no Brasil, a escola é um capital social. Ela faz parte da comunidade e, por isso, consegue se proteger parcialmente do que há de ruim nela. Em São Paulo, por exemplo, há escolas com grades e policiais na entrada, mas elas permanecem de portas abertas para a comunidade participar de atividades. 

Após o caso de Realengo, muito se falou sobre o motivo que levou o agressor a escolher uma escola para atacar. Que aprendizados podemos extrair desse episódio?
Debarbieux 
Isso é uma prova de que é preciso tratar as pequenas violências do cotidiano para evitar as mais graves. Massacres escolares como esse não acontecem todos os dias. No mundo, deve ter havido talvez uns 30 desde 1960. Não é por isso que vamos colocar detectores de metais, policiais e câmeras em toda escola. Em primeiro lugar, custa absurdamente caro. E, em segundo, já sabemos que seria inútil. Na França, uma reflexão emergiu no ano passado no âmbito político porque, em um estabelecimento considerado um dos mais seguros do país, um aluno morreu esfaqueado por outro. O ministro da Educação então notou que a polícia na porta e as imagens de vídeos não serviram para nada. Percebeu-se que só um trabalho complexo e no longo prazo teria efeitos. Foi a primeira vez que convenci um governo a preparar pessoas para formar os professores a fim de que eles pudessem enfrentar a violência nas escolas. Isso já é um começo.
Por Lúcia Müzell (novaescola@atleitor.com.br), de Paris

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