Aprender a lidar com o diferente é o primeiro passo para quem quer ver a si mesmo como alguém que se destaca na multidão
Em um dos experimentos mais famosos da Psicologia Social, 24 voluntários entraram em uma “prisão” nos papéis de “guardas" ou “prisioneiros”. O grupo de psicólogos liderado por Philip Zimbardo queria estudar os efeitos da personalidade nas relações de poder existente em situações como essa. A coisa toda devia durar entre uma e duas semanas.
Rapidamente, as pessoas vestiram as camisas de seus novos papéis. Aconteceram revoltas, torturas psicológicas e até físicas. No que depois se tornou um relato bastante controverso, o próprio Zimbardo disse que teve problemas em ver tudo aquilo acontecendo e após o sexto dia (quando já existiam solitárias e socos nas paredes) optou por parar o experimento por ali.
O caso ficou famoso – ganhou até um filme – e virou um exemplo do que acontece quando se cultiva uma mentalidade de “nós" contra “eles" em grupos diferentes (não que o mundo precisasse de mais exemplos, claro).
Não me lembro de ler sequer um texto religioso mandando queimar pessoas na fogueira ou explodir uns aos outros, e infelizmente tais coisas acontecem desde que o mundo é mundo. O nacionalismo, aquele de bater no peito de orgulho, foi cooptado por Napoleão logo depois de surgir na França, dando ao Imperador uma capacidade de abastecer seus exércitos com uma velocidade e eficiência que seus adversários no resto da Europa não conseguiam competir. O jeito foi cada país inventar seu próprio nacionalismo, com a história das guerras modernas para provar o sucesso da coisa toda.
O que ficou do experimento dos prisioneiros foi a rapidez com que as pessoas passaram a se identificar com seus grupos. Criando aliados, regras e disposição a combater o outro lado seja lá com o que tinham à disposição.
Cultivar diferenças pode ser perigoso. Não só perigoso, mas contraproducente. Em uma carta enviada recentemente à Suprema Corte norte-americana, um grupo de 379 empresas pediu a essa instância de seu país que atue para remover os impedimentos legais colocados pelos estados ao casamento gay. Assinado por empresas como Coca-Cola e Netflix, o documento diz que, por um lado, o impedimento as força a desenvolver procedimentos internos que diferenciam profissionais que são iguais em todo o resto. Além desse atrapalho, a coisa toda é simplesmente um mau negócio. As empresas dizem que criar um ambiente diverso faz bem às suas atividades, ajudando na inovação, em ganhos de produtividade e trazendo lucros mais altos (você pode ler o texto inteiro se quiser).
Voltando ao Brasil, volta e meia vemos alguém tentar usar as diferenças entre grupos para provar algum ponto. É um tal de rico contra pobre, patrão contra empregado, negro contra branco, nordestino contra paulista, entre outras belezas que aparecem como quem não quer nada para explicar algum “fenômeno”.
Eu sempre disse, desde que escrevi meus livros sobre criatividade, que aprender a lidar com o diferente é o primeiro passo para quem quer ver a si mesmo como alguém que se destaca na multidão. É um exercício difícil, mas como querer ser diferente sem tolerar a diferença no mundo lá fora?
Hoje, digo mais, da mesma forma que aceitar as diferenças é uma marca de intelectos desenvolvidos, quanto mais alguém se veste em algum conflito entre grupos, maior o sinal de que algo falhou em sua educação.
Na minha opinião, o momento mais bonito da festa do Oscar desse ano foi quando Graham Moore, autor do “O Jogo de Imitação”, subiu ao palco e contou para o mundo inteiro que tentou se matar com 16 anos de idade por se sentir diferente dos outros. O escritor disse que tinha certeza de que naquele momento havia alguém assistindo com o mesmo sentimento, e que ele queria dizer para aquela pessoa que havia um lugar no mundo para ela. “Eu prometo que você tem um lugar. Continue estranho, continue diferente", disse.
Vamos esperar que não só lá, como aqui, as diferenças parem de criar conflitos e possam ser celebradas. Não é só bom para os negócios ou para a economia, é bom para todo o resto que nos faz humanos.
Por Fábio Zugman/artigos
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