A rua é de terra e não tem saída. Os muros possuem grafites e, no chão, uma sequência de bexigas coloridas está perfilada. Todas cheias de água. Crianças correm, escolhem a sua, se dividem em duas equipes e iniciam uma brincadeira muito praticada durante a infância: a guerra de bexigas.
Foi assim que começou a terceira edição do Festival de Brincadeiras de Rua, promovida na Vila Cultural, espaço localizado na asa sul de Brasília (mais especificamente na quadra 813-Sul) onde, há cerca de 40 anos, mais de uma centena de famílias ocuparam um terreno ocioso.
Neste mesmo lugar foi criado, em 2009, o Espaço Inventado – literalmente levantado com a ajuda da comunidade e simpatizantes da proposta do projeto. Seu objetivo? Promover o aprendizado e o desenvolvimento integral dos indivíduos através de atividades elaboradas colaborativamente a partir dos interesses coletivos.
O surgimento do Espaço se deu pelo seu próprio uso. A casa – construída com técnicas de bioconstrução e permacultura e utilizando materiais reaproveitados – virou ponto de encontro e treino de artistas circenses. “Nosso primeiro projeto foi construir uma lona de circo”, relembra Leonardo Leal, idealizador e coordenador do Espaço Inventado. “Já era um sinal de fortalecimento do espírito coletivo.”
O Espaço Inventado não conta com nenhum apoio do governo, de instituições ou empresas para sua manutenção. Tudo que se encontra ali foi adquirido, construído ou adaptado através do trabalho e investimento coletivo de amigos, familiares e colaboradores.
Território de aprendizagem
Naturalmente, as apresentações de circo começaram a atrair a comunidade ao redor – principalmente as pessoas mais novas. “Em 2014, resolvemos dar início a um projeto de atividades para crianças e jovens, com o objetivo de passar todo esse conhecimento que construímos ao longo do tempo”, explica Leonardo.
Com o intuito de estimular o desenvolvimento corporal, intelectual e afetivo de cada um, o Espaço Inventado se transformou, segundo os seus próprios integrantes, em um território de aprendizagem – ou um trabalho permanente de observação e investigação onde crianças e jovens podem aprender de diferentes formas.
“Prezamos pelo desenvolvimento da autonomia”, retoma Leonardo. “Dentro desses temas, elaboramos atividades – algumas propostas pelos condutores, e outras pelas crianças e jovens. Todo dia sentamos em grupo, acolhemos as propostas e elaboramos projetos de longo prazo, criados a partir do interesse dos participantes ou da necessidade que temos.”
Cerca de 30 crianças e jovens, de quatro a catorze anos, participam das atividades regulares, que acontecem às segundas, quartas e sextas-feiras, no período matutino (das 8h às 12h) e vespertino (das 14h às 18h). As práticas contemplam seis temáticas: musicalização e sonoridades; engenharias da terra; culinária; cuidados; ferramentas, tecnologias e matérias-primas; e linguagens e expressão.
Entre os dias 30/1 e 3/2 está programado um mutirão para a revitalização do Espaço Inventado, que contará com oficinas colaborativas para a transformação do local.
Autonomia
Para Leonardo, desenvolver a autonomia contribui de diversas formas para a vida de uma criança: dentro de casa e da escola e em sua comunidade. A atividade Inventado Aberto, por exemplo, abre o espaço para o uso de crianças e jovens sob os cuidados dos mesmos, incentivando uma experiência de autogestão e responsabilidade.
“A educação não está somente na escola. O processo de aprendizado vem do indivíduo, e a partir do momento em que se desperta isso dá para aprender muitas coisas de diferentes formas”, aponta. “Deixamos uma infinidade de problemas para que a escola resolva, quando muitos deles podem ser solucionados com ações reais e diretas em nossa comunidade.”
Uma das finalidades do projeto é a formação de um grupo onde todos possam ser educadores e educandos, buscando formas de desenvolver uma relação coletiva onde os integrantes possam demonstrar, compartilhar e aprimorar suas habilidades e aprendizados – criando assim uma horizontalidade no processo de aprender e ensinar.
De acordo com Mariana, a escuta infantil é diversificada. “Elas têm a liberdade rotineira de se colocar a todo o momento, em qualquer situação, e estão bem à vontade para isso.”
Encontros na rua
De acordo com Mariana Leal, também coordenadora do Espaço, tal modelo permite um aprendizado mais espontâneo e uma troca maior entre todos os participantes do projeto. “No momento em que planejamos uma atividade, temos que nos adequar e entender quais são as necessidades de cada uma das crianças e jovens. Permitimos uma troca maior e estamos aprendendo com eles também.”
Além de apresentações circenses e do Festival de Brincadeiras de Rua, que ocorre anualmente, o Espaço promove na Vila Cultural saraus, festa junina e mutirão de grafites. “Estar fora do Espaço é agregar outros espaços. A rua é o lugar propício para este encontro”, acredita Leonardo.
(A foto que abre esta reportagem é de autoria de Davi Mello)
Por Danilo Mekari/ Plataforma Cidades Educadoras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário