O modelo de grandes líderes que têm todas as respostas é colocado à prova em um simples experimento sobre produtividade.
A empresária e autora Margaret Heffernan, em uma palestra no TEDWoman de 2015, discutiu um experimento sobre produtividade, feito pelo biólogo William Muir, da Universidade Purdue (Indiana, EUA). William escolheu estudar galinhas por uma simples razão: a produtividade delas é fácil de medir, já que você simplesmente conta o número de ovos. Em seu estudo, ele queria saber quais fatores podem fazer com que galinhas sejam mais produtivas, então ele criou um experimento que trouxe dados que podem explicar como se dá a liderança nos negócios.
Como galinhas vivem em grupos, o biólogo as dividiu em dois. O primeiro grupo, de controle, foi deixado sozinho por cinco gerações. Já no segundo grupo, Willian apenas selecionou as galinhas mais produtivas para se reproduzir — aquelas que produziram a maior quantidade de ovos — para criar um “suberbando” de “supergalinhas”. E o que ele descobriu?
Depois que seis gerações se passaram, o primeiro grupo, aquele mediano, estava bem. Todas galinhas eram saudáveis e cheias de penas. Na verdade, sua produção de ovos havia aumentado dramaticamente. No segundo grupo, de "supergalinhas", apenas três sobreviveram. Elas haviam bicado umas às outras até se matarem. As galinhas individualmente produtivas no “superbando” somente sobreviveram e atingiram o sucesso ao suprimir a produtividade das demais.
O mito do super-herói
Bem, nos últimos 50 anos, temos gerenciado a maioria das organizações e algumas sociedades da mesma forma que o modelo das supergalinhas. Presumimos que, ao escolher os melhores, os mais inteligentes e os homens e mulheres mais cheios de conhecimento, e ao dar a eles todos os recursos e o poder, teremos a chave para atingir o sucesso.
O resultado disso é o mesmo que no experimento de William Muir: agressão, disfunção e desperdício. Mas por quê? Ao menos parte da razão para isso é o fato de vivermos e agirmos em uma cultura que valoriza e personifica líderes como super-heróis acima de qualquer coisa.
Se você pegar qualquer livro atual de administração, provavelmente o conteúdo será sobre poderosos líderes super-heróis, seus triunfos e sucessos. Nossa sociedade e nossa cultura consistentemente enfatizam, em excesso, a contribuição individual.
Com a promoção excessiva da liderança, nós rebaixamos as outras pessoas. Criamos aglomerados de seguidores que têm que ser guiados para ter qualquer performance, em vez de simplesmente favorecer a propensão natural das pessoas de cooperar em comunidades e colaborar como um time. Nesses dias atuais, em que muitas organizações estão lutando para sobreviver em tempos turbulentos, será que ainda existe um lugar para estratégicas de administração hierárquica do topo para baixo?
Será que os líderes realmente têm as respostas para todos os desafios complexos e complicados que definem nosso universo hiper-conectado ou estamos simplesmente mantendo o mito de que uma ou algumas pessoas são capazes de descobrir tudo aquilo que precisa ser feito?
Algumas organizações já começaram a abandonar suas mais célebres presunções sobre liderança heroica e estão favorecendo o poder do conhecimento colaborativo. Elas estão vendo como os problemas de hoje são bem mais distintos do que aqueles do passado e que esperar de um líder todas as respostas é realmente algo fantasioso. Elas estão se movendo em direção a um estilo mais engajador de liderança.
Mas, para a maioria das organizações, a ideia de trabalhar com colaboração para resolver problemas e cultivar ideias a partir da base de empregados vai contra tudo aquilo que o modelo tradicional de administração diz ser tão importante.
Estratégias para organizações ainda estão sendo desenvolvidas por trás das portas das salas de reunião, com pequenos grupos de líderes tomando decisões que impactam o futuro da organização. Apesar de seu conhecimento profundo sobre os consumidores, são poucas as organizações que efetivamente conversam e convidam os empregados da linha de frente e gerentes intermediários para participar do processo de planejamento estratégico.
Modelo participativo
Líderes heroicos usam o poder de sua posição para tomar decisões unilateralmente. Por outro lado, os líderes pós-heroicos são facilitadores. Eles utilizam perguntas bem formuladas para extrair ideias e desenvolver soluções em conjunto. Ambos os estilos de liderança têm a autoridade para tomar decisões pelos grupos que eles gerenciam, a diferença entre eles é seu estilo de tomada de decisão: um é autocrático, enquanto o outro é participativo.
Líderes pós-heroicos extraem soluções de seus times em vez de promover suas próprias soluções. Na verdade, utilizar perguntas é a forma com que eles constroem sua influência. Perguntas que ninguém nem mesmo pensou em perguntar, mas que ajudam a focar a atenção e os esforços em áreas promissoras, mas que previamente eram ignoradas.
Perguntas convidam as pessoas a participarem de uma forma diferente e mais poderosa, agora o importante é convidar outras pessoas a explorar um novo território e ajudar a gerar novas ideias e conhecimentos. Líderes que engajam operam como coaches, facilitadores, catalizadores, possibilitadores e desenvolvedores de pessoas e não como geradores de soluções. Eles criam o espaço e o ambiente para que todos sejam bem-sucedidos e saiam de seu caminho usual para que a genialidade de cada uma das pessoas seja liberada e apoiada.
A mudança
Todos nós provavelmente já estivemos em situações, seja como motorista ou passageiro, em que estamos tão confiantes em nossas habilidades que nos recursamos a pedir direções. Essas situações geralmente acabam com um final familiar: nos perdemos. Nos negócios, não é diferente. É preciso muita humildade e empatia para ser um líder, sabendo que a sociedade espera que você tenha todas as respostas e nunca admita não saber algo.
É preciso um líder pós-heroico para mover as organizações em direção ao futuro e dar recursos ao conhecimento coletivo e ao talento da empresa em se manter atualizada com o ritmo das mudanças. Nós criticamos líderes hoje em dia não por que eles são menos capazes do que eram no passado, mas por que nós esperamos mais do que eles podem entregar. Nossas expectativas dos líderes aumentaram astronomicamente devido ao aumento da complexidade e do ritmo das mudanças, o que faz nossa ansiedade atingir níveis inimagináveis.
Não é surpresa que o “superbando” está focado em matar uns aos outros. Imagine a pressão e o nível de competitividade necessário para sobreviver? A realidade nua e crua é que nenhum indivíduo tem todas as respostas, mas coletivamente nós temos. Não existe um manual ou livro com a descrição precisa sobre como evitar distúrbios ou como fazer com que as organizações mudem mais rápido, afinal, estamos diante de transformações tecnológicas massivas, por isso é preciso mudar.
Claro, mudar para uma era pós-heroica é mais fácil na teoria do que na prática. A liderança heroica se torna autodestrutiva porque, quanto mais heroica ela é, mais ela aumenta o abismo entre dependência e empoderamento. É um ciclo vicioso. Por um lado, buscamos empoderamento, queremos uma voz, queremos ser relevantes. Por outro lado, aprendemos desde cedo a respeitar autoridades e líderes. Nós nos acomodamos em receber direções. Somos ensinados, de forma a criar o “superbando”, a nos tornar experts, ou seja, a ser a pessoa mais inteligente no espaço e ter todas as respostas.
A saída desse modelo requer uma cultura de mudança que também envolve a promoção e o desenvolvimento de gerentes engajadores, recompensando aqueles que conseguem extrair as ideias mais criativas de seus membros de time. Ainda precisamos e queremos heróis, mas seu propósito tem que mudar. Os heróis de hoje em dia estão focados em criar ainda mais heróis e isso deve acabar.
*Conteúdo produzido em parceria com a Endeavor Brasil./SEBRAE
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