E como o funcionamento desse método é essencial para entender a história das telecomunicações
Um bit é uma unidade de
medida, como um quilo, um litro ou um metro. Só que em vez de massa,
volume ou distância, ele serve para medir algo um pouco mais abstrato:
informação.
Quando alguém pergunta (por
exemplo) se você tem filhos, só há duas respostas possíveis: “sim” ou
“não”. Essa resposta contém, sem tirar nem pôr, um bit.
Um bit é uma escolha entre
duas possibilidades quaisquer: sim e não, preto e branco, direita e
esquerda. Ou, se você for um computador, 0 e 1. O famoso código binário,
alicerce de tudo que se faz no Vale do Silício.
Hoje em dia, um bit é carne de vaca, coisa banal. Seu celular processa 30,2 milhões deles cada vez que você ouve em Shape of You,
de Ed Sheeran. Isso significa que a quantidade de informação que um
alto falante precisa receber para fazer o ar vibrar de forma que você
ouça a canção equivale a 30,2 milhões de perguntas do tipo “sim ou não”.
Houve uma época, porém, em
que transmitir um bit (um mísero bit, unzinho) era um esforço homérico. E
“homérico”, aqui, é ao pé da letra: estou falando da Guerra de Troia.
Quando a cidade lendária caiu
na trapaça do cavalo de madeira, os gregos precisaram dar um jeito de
enviar a boa notícia à cidade-estado de Micenas, a 600 quilômetros de
distância. Era lá que estava Clitemnestra, esposa de Agamenon, o líder do exército vitorioso.
Em 1200 a.C. não havia celular ou rádio, então o jeito foi usar uma
rede de fogueiras pré-posicionadas nos cumes mais altos de uma cadeia de
montanhas.
Era uma mensagem simples:
fogueira acesa significava “vitória”, fogueira apagada, “derrota”. A
tática funcionou graças ao mesmo princípio do telefone sem fio: uma
fogueira acesa no topo de uma montanha pode ser vista em um raio de
dezenas de quilômetros em torno de si. O suficiente para o mensageiro
que está no topo da próxima montanha observá-la e acender sua própria. E
assim por diante, até o bit solitário e luminoso, de fogueira em
fogueira, atingir seu objetivo do outro lado.
É um esforço aceitável nessa
situação, mas não é o mais prático dos interurbanos. Pena que, mais de 3
mil anos depois, pouca coisa havia mudado na Europa. Até a invenção do
código Morse e do telégrafo, no século 19, mensageiros a cavalo (ou,
porque não, fogueiras?) ainda eram a maneira mais rápida de enviar um
telegrama.
Dá para imaginar então a
surpresa dos primeiros missionários europeus quando eles começaram a
explorar a África no século 18 e descobriram que vários povos
considerados “primitivos” na verdade eram capazes de transmitir
mensagens complexas (e poéticas, como você descobrirá daqui a pouco) por
distâncias enormes usando… tambores. Pois é, tambores.
Notícias de nascimentos,
funerais e batalhas. Valia tudo. Como o som dos tambores ecoava por até
10 quilômetros quando eles eram tocados às margens de um rio, em menos
de uma hora uma mensagem complexa poderia atingir os músicos de todas os
núcleos populacionais em um raio de 150 quilômetros – que então se
encarregariam de passá-la para frente.
Os europeus levaram um baile.
Quando partiam em uma jornada, sua chegada já havia sido comunicada,
via tambores, ao local de destino. Um passe de mágica para os padrões da
época. O truque só seria revelado 200 anos depois, em um livro
publicado em 1949 pelo britânico John Carrington – que se mudou para a
África com 24 anos, se apaixonou pelo continente e lá ficou.
É o seguinte: muitas línguas
da África subsaariana, ao contrário das latinas, são tonais. Isso
significa, grosso modo, que uma mesma palavra, como “bola”, pode
significar coisas diferentes se for dita com entonação de pergunta
(“bola?”) ou de exclamação (“bola!”). Essa peculiaridade adiciona uma
camada extra de significado à língua: além da articulação das consoantes
e vogais, a melodia da voz transmite informações. Falar e cantar são quase a mesma coisa.
Instrumentos de percussão, ao
contrário de nós, não são capazes de produzir vogais e consoantes. Mas
alguns (é só lembrar das cuícas brasileiras) podem produzir melodias e
até imitar razoavelmente bem os sons de animais. Ao usar os tambores
para reproduzir a parte melódica de frases pronunciadas em língua tonal,
os povos do sul da África conseguiam “falar” com a música.
Acontece que essa é uma
simulação de fala meio abafada: sabe quando alguém que está escovando os
dentes tenta falar com você de boca fechada? Dá para descobrir se o
“hunf hunf” é uma pergunta, uma afirmação ou uma resposta. Mas é quase
impossível identificar as palavras isoladamente.
Isso acontece porque seu
interlocutor excluiu bits da mensagem. Uma camada de informação, que
corresponde às vogais e consoantes, foi perdida. Só ficou a outra, a da
entonação. Para compensar essa perda de informação, uma saída possível é
adicionar mais palavras. Repetir a mesma frase de outros jeitos, até
que a pessoa entenda, por cruzamento de informações, exatamente o que
você quer dizer.
Os africanos sacaram isso:
sendo redundantes, eles conseguiam fazer os tambores serem bem, bem
específicos. Por isso, uma frase tão simples quanto “nasceu uma criança
em no vilarejo de Bolenge” se tornava “As esteiras estão enroladas,
sentimo-nos fortes, uma mulher veio da floresta, ela está na vila
aberta, e basta por enquanto”.
Pois é, muito maluco. E
metafórico. No fundo, porém, é a mesma coisa que fazemos em um país
estrangeiro quando precisamos falar algo para um gringo: gesticular,
usar metáforas e dar voltas desnecessárias para transmitir uma ideia.
E esse é, mais no fundo
ainda, o resumo de toda a história das telecomunicações: um equilíbrio
delicado entre a quantidade de bits que nós temos à disposição para
transmitir mensagens, e os truques que usamos quando a quantidade de
bits é insuficiente. Telégrafo, telefone e Skype foram só os próximos
passos da mesma jornada.
Essa história sensacional – e muitas outras, ainda melhores – são contadas no livro A Informação,
de James Gleick (que saiu na Brasil pela Cia. das Letras). Ele não é
novo, mas vale dar uma boa procurada em sebos para encontrá-lo.
Por
Bruno Vaiano/Superinteressante
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