Conseguiram mapear o ponto do cérebro onde a criatividade acontece – e entender porque ela é mais frequente em uns cérebros que em outros.
(Shai-Halud/iStock)
Para que serve uma meia?
Pense um pouco nessa pergunta – e tente evitar respostas como “para deixar os pés quentinhos”. Imaginar usos não-convencionais para objetos banais é uma das formas mais utilizadas por cientistas para testar a criatividade das pessoas.
E foi graças a um experimento como esse que cientistas conseguiram mapear, no cérebro, as regiões que se conectam para gerar “alta criatividade” – e responder porque a pensamentos criativos se manifestam mais em certas pessoas do que nas outras.
O estudo pediu que 163 voluntários dessem suas respostas sobre o uso de meias e outros objetos. Cada resposta foi avaliada por quão divergente e original ela era – ideias como “meias podem servir para filtrar água” recebiam altas notas, por exemplo.
Só que enquanto respondiam a essas perguntas divertidas, os participantes passavam também por um exame de ressonância magnética. Portanto, os cientistas sabiam quais regiões em cada cérebro ficavam mais ativas durante o teste.
Os neurocientistas, então, buscaram correlações entre a pontuação das pessoas e as áreas cerebrais que eram ativadas no momento do exercício. Depois, foram pescar, no meio desse mar de informação todo, quais eram as áreas estavam conectadas umas às outras durante o processo criativo. O resultado foi o “Mapa Cerebral da Alta Criatividade”.
A Trindade Criativa do Cérebro
O circuito criativo que eles encontraram combinava regiões que pertencem a três sistemas cerebrais diferentes.
Temos, primeiro, a Rede de Modo Padrão, nome oficial do “piloto automático do cérebro”. Faz todo sentido: essa rede mantém seu cérebro funcionando enquanto você faz atividades repetitivas, que não merecem sua atenção. Seu cérebro fica livre, então, para sonhar acordado e gerar novas ideias – processos essenciais para a criatividade.
O segundo sistema que apareceu no mapa foi a Rede de Controle Executivo. Essencialmente, ela é o oposto da anterior: é ativada quando uma tarefa exige atenção, foco e controle sobre o pensamento.
Pense que você está viajando de carro. Se vai para um lugar desconhecido, seus pensamentos ficam concentrados em não errar o caminho. Não sobra espaço para mais nada. É o controle executivo em ação.
Já quando vai para o mesmo lugar muitas vezes, sua cabeça “desliga”. Você faz todas as tarefas necessárias para chegar ao destino, sem nem perceber. Essa é a rede de modo padrão no comando.
Naturalmente, você não “desliga” e “foca” ao mesmo tempo. Ou era o que nós pensávamos. No novo estudo, tudo indica que a criatividade só pode existir se esses dois sistemas opostos trabalharem juntos.
E aí que entra o terceiro sistema, a Rede Saliente. Ela funciona como a ponte, conectando a ação das outras duas redes. É possível, inclusive, que ela funcione como um interruptor, alternando qual rede está ativa.
A receita básica da criatividade cerebral
Mas porque isso importa para a geração de ideias criativas? Como falamos, a Rede de Modo Padrão dá luz a novas ideias, permite que seu cérebro saia da caixa e favorece o pensamento abstrato.
Mas uma ideia criativa não é só diferente do padrão – ela precisa ser boa. Não adianta sugerir que uma meia seja usada como substituto para papel sulfite. É uma ideia divergente, só não serve para nada.
Entra aí o Controle Executivo. Ele parece atuar no processo de avaliação de ideias, para descartar os resultados menos úteis das “viagens” do Modo Padrão.
Para que tudo isso aconteça praticamente ao mesmo tempo, entra a Rede Saliente, a “comunicação interna” que sincroniza os dois processos anteriores. Se tudo der certo, o resultado é uma grande Eureca.
Porque existem os criativos e os não criativos
Se você é criativo, o sistema descrito acima funciona melhor. E os cientistas podem provar: eles mostraram que, entre as pessoas com as respostas mais criativas, existiam conexões mais fortes entre essas três áreas do cérebro. Quanto mais conectadas as áreas eram, melhores as respostas do que fazer com a meia.
Depois, eles testaram essa conclusão com três levas de voluntários totalmente diferentes. Só olhando para o cérebro delas, os cientistas conseguiram prever com uma precisão razoável o quão criativas seriam as respostas.
A conclusão deles é que o cérebro dos supercriativos é melhor em fazer os sistemas opostos de Modo Padrão e Controle Executivo funcionarem juntos.
Mas calma: se você até agora não conseguiu pensar em nada útil e diferente para fazer com uma meia, não se assuste. O próximo passo dos pesquisadores vai ser entender se atividades como aulas de desenho são capazes de fortalecer as conexões entre os sistemas e tornar as pessoas mais criativas suando a camisa (e as meias).
Por Ana Carolina Leonardi/Superinteressante
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