Se a vertente econômica do modelo de desenvolvimento produziu um aumento inusitado de riqueza e fartura no mundo, sua vertente ambiental e política trouxe à luz a urgência de sustentabilidade
Depois de três anos de audiências com líderes de governos e demais representantes da comunidade internacional, a ONU divulgou, em 1987, um documento intitulado Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland – em homenagem à primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brandtland, chefe da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, cujos trabalhos deram origem ao relatório.
Foi uma iniciativa que consolidou os resultados de reuniões públicas realizadas tanto em regiões desenvolvidas quanto em desenvolvimento, para o tratamento de questões como agricultura, silvicultura, água, energia, transferência de tecnologias e desenvolvimento sustentável em geral. Esse documento foi um marco para a definição do conceito atual de sustentabilidade.
O Relatório Brundtland faz parte de uma série de iniciativas, anteriores à Agenda 21, que reafirmam uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, destacando os riscos do uso excessivo dos recursos naturais, sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas.
As linhas de força desse documento pioneiro dão ênfase à necessidade de instituir uma relação entre o ser humano e o meio ambiente que, sem produzir a estagnação do crescimento econômico, permita, com a introdução de padrões razoáveis de produção e consumo, uma conciliação com as questões ambientais.
O documento trata de fenômenos como o aquecimento global e a destruição da camada de ozônio; expressa a preocupação em relação ao fato de que a velocidade das mudanças excederam a capacidade de avaliação de suas conseqüências pelos diferentes saberes científicos, bem como suas possibilidades de propor soluções realistas em caso de crises.
Inova também na propositura de ações e na definição de metas a serem buscadas pelos Estados e no nível internacional, exigindo o concurso de instituições supra-estatais e multilaterais para o enfrentamento das principais dificuldades, como, por exemplo, a necessidade de redução do consumo de energia, o desenvolvimento de tecnologias para uso de fontes energéticas renováveis e o incremento da produção industrial em países com índices de desenvolvimento econômico reduzido, com base em tecnologias ecologicamente orientadas.
Essas medidas deveriam ser urgentemente tomadas pela comunidade internacional para promover o que no documento se denomina desenvolvimento sustentável. Entre outras medidas são indicadas: a limitação do crescimento populacional; garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) a longo prazo; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; controle da urbanização desordenada e integração entre campo e cidades, assim como o atendimento das necessidades básicas nos âmbitos da saúde, da escolaridade e da habitação.
São diretrizes de políticas públicas que, no âmbito internacional, exigem também a fixação de metas desafiadoras, como a adoção da estratégia de desenvolvimento sustentável pelos organismos e instituições internacionais de financiamento, a proteção dos ecossistemas supra-nacionais como a Antártica, os oceanos e o banimento das guerras.
Com isso, estamos, pois, diante de um dos signos mais expressivos de uma transformação decisiva ocorrida nos domínios da ética, do direito, da economia e da política contemporâneas. Isso porque a natureza e o ritmo do atual crescimento econômico, que tem como um de seus fatores básicos a atualização compulsória do potencial tecnológico das sociedades situadas no centro do sistema produtivo, gerou perturbadores desequilíbrios em todos os setores da vida.
Se a vertente econômica do modelo de desenvolvimento produziu um aumento inusitado de riqueza e fartura no mundo, sua vertente ambiental e política trouxe à luz a necessidade e a urgência de sustentabilidade, ou seja, de preservação das condições que tornam possível a existência humana futura no planeta Terra, colocando na ordem do dia a ideia de um direito próprio da natureza e das futuras gerações de seres humanos e não humanos.
O poder alcançado pelo homem por meio do desenvolvimento econômico e tecno-científico revolucionou o campo semântico dos conceitos, princípios e estratégias de regulação normativa nos domínios da ética, do direito e das políticas públicas, em registro nacional e internacional, subvertendo o entendimento tradicionalmente assente de que só ao âmbito das ações inter-humanas pode ser reconhecida uma significação ética ou moral.
De acordo com essa compreensão, o mundo extra humano, caracterizado como o domínio do fazer e produzir – a techne – seria eticamente neutro. Esse entendimento não se sustenta mais, assim como se revelou irresponsável o delírio infantil de onipotência do homo faber.
O antropocentrismo próprio das éticas tradicionais não foi sepultado com isso, mas deixou à mostra suas limitações e sua ínsita incapacidade de dar conta dos novos fenômenos.
Por um lado, temos atualmente a emergência e atuação de novos agentes ou sujeitos éticos. Por outro lado, o poder-fazer, fomentado pelo desenvolvimento tecnológico, colocou o ser humano em condições teóricas e práticas de destruir inteiramente suas próprias condições de existência no planeta Terra, inclusive o próprio astro que habita.
Nessas coordenadas, um novo conceito de responsabilidade torna-se indispensável, e tentativas nesse sentido são feitas nas diferentes esferas culturais, da religião às ciências, da filosofia às artes e à politica. Responsabilidade é atualmente a tradução da necessidade de amadurecimento e despertamento para uma nova consciência dos impasses e dilemas do habitar humano no mundo.
Esses “Novos Horizontes da responsabilidade” serão temas dos debates de março e abril do Café Filosófico CPFL, série de encontros promovidos pelo Instituto CPFL com entrada gratuita, em Campinas, e transmissão ao vivo para o público online. Os encontros acontecem às quartas-feiras a partir do dia 22/03, às 19h.
O módulo é uma tentativa de oferecer ao público interessado um conjunto de perspectivas que representam vetores de diferentes áreas do conhecimento, como contribuição para o tratamento de uma das questões mais importantes de nosso tempo, que hoje coloca em jogo o presente e o futuro da humanidade em sua destinação na história.
*Oswaldo Giacoia Jr. é filósofo e professor da Unicamp
Por Oawaldo Giacoia Jr/Carta Capital
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