quinta-feira, 14 de março de 2019

Meditação é aliada de escolas para melhorar a atenção e lidar com as emoções

Com foco no desenvolvimento integral dos alunos, prática reduz o estresse, promove empatia e fortalece a cultura de paz
As aulas da professora de educação física Rosângela Martins dos Santos, na Escola Básica Municipal Henrique Veras, em Florianópolis (SC), começam com cinco a dez minutos de meditação. Os estudantes se sentam em posição confortável, com a coluna reta, unem o polegar e o indicador ou espalmam as mãos sobre o rosto com os olhos fechados e fazem respirações. Depois, falam em voz alta as frases: “eu estou em paz, minha família e meus amigos estão em paz, a nossa escola está em paz, o lugar onde eu moro está em paz, o nosso país e o nosso planeta estão em paz”.
O ritual se repete há mais de dez anos dos quase 30 anos de atuação de Rosângela no magistério. “Percebi que eles modificam o relacionamento consigo mesmos, com os colegas e comigo. Tenho mais colaboração deles e são mais afetuosos. Temos uma comunicação não violenta, amorosa, um convívio com mais carinho e compreensão”, explica Rosângela.
A professora apresenta a prática aos pais dos alunos todo início de ano. Eles questionam se a meditação tem algum viés religioso. Ela explica que não, que o foco é criar um ambiente de paz na escola. “Uma mãe me disse que o filho, antes de entregar um copo de água para ela, segurou com as duas mãos, falou as frases que aprendeu na meditação e disse que a água ia ficar com uma energia boa. Ela disse que se sentiu muito bem em ver o filho falar coisas boas”, conta a educadora.
Eric da Silveira, 9, aluno de Rosângela, conta que se sente relaxado, em um lugar silencioso e bom, quando faz a meditação. “Sinto uma coisa muito boa no coração”, diz o estudante. Maria Clara Silveira, 12, medita desde os dez anos. “Quando estou estressada é muito bom, eu me acalmo, fico relaxada”, afirma.
Rosângela diz que a meditação é bem aceita pela direção da escola e pelos professores, que fazem a prática antes de iniciar reuniões pedagógicas. A educadora usa como base o programa da ONG Mente Viva, que oferece conteúdo educativo gratuito sobre práticas e exercícios meditativos.
Alunos do primeiro ano meditam na Escola Básica Municipal, em Florianópolis (Crédito: Arquivo pessoal)
O programa já foi aplicado a mais de 42 mil crianças no Brasil e no mundo, desde 2007, de acordo com Paulo Moura, coordenador da organização. “O trabalho visa a paz interior e o desenvolvimento do ser humano de forma integral.” O conteúdo inclui explicações sobre como fazer exercícios meditativos, cognitivos e emocionais. Há material em formato de livro, de áudio e de vídeo. Para receber, basta fazer um cadastro no site.
Com uso de música clássica ou instrumental, o educador medita com os estudantes e faz exercícios de respiração. Podem conversar também sobre as características de um animal, de uma planta, de um tipo de pedra ou de outro elemento da natureza. O dia do leão, por exemplo, fala sobre força, autoestima e autoimagem. “Tem ligação com o meio ambiente, para que eles aprendam a respeitar todas as criaturas, a cuidar bem do planeta, a buscar equilíbrio e harmonia. Trabalha a respiração, tentando estabelecer um mundo melhor fora e dentro”, diz Paulo.
De acordo com o coordenador, os resultados, como empatia, respeito, equilíbrio e participação aparecem em 20 dias a dois meses. “As crianças passam a ter mais alegria, a ser mais cordiais e a ter um ritual de amor.”
Equilíbrio emocional
Em São Paulo, Daniela Degani abandonou a carreira na área de marketing para se dedicar ao ensino de meditação. Formou-se nos Estados Unidos, na Mindful Schools, organização que integra a atenção plena (conhecida como mindfulness, em inglês) ao dia a dia escolar, e criou a MindKids, que ensina a prática para crianças, adolescentes, professores e pais.

Ela explica que a meditação tem origem nas práticas contemplativas milenares. “No Oriente, passou de geração em geração. Quando chegou ao Ocidente, na década de 1970, a comunidade científica começou a estudar e a mensurar os benefícios”, diz Daniela.
Os estudos mostraram, de acordo com ela, que a prática ajuda a fortalecer a habilidade de sustentar a atenção por mais tempo, a lidar com as emoções e a manter o equilíbrio emocional. “Traz bem-estar, calma, reduz o estresse. Além disso, tem efeitos na área da empatia e da compaixão. Quando a gente está mais atento, mais presente, se familiariza com os próprios sentimentos. Toma consciência do mundo interno, está mais antenado aos sentimentos das outras pessoas. Percebe que não é tão diferente dos outros.”
Workshop de Daniela Degani, da MindKids, com professoras (Crédito: Divulgação
Após passarem pelo programa da Mindkids, 95% de um grupo de 200 alunos afirmou que a prática os ajudou em alguma coisa e 75% listaram cinco ou mais aspectos positivos, como mais calma em momentos de irritação, ajuda para se concentrarem nos estudos, nas aulas e nas provas, auxílio na tomada de decisões, e no entendimento sobre como funciona a própria mente.
Segundo Daniela, a prática tem linguagem adequada ao público e tem como objetivo ajudar no lado acadêmico. “Se o estudante está bem, calmo, tranquilo, fica mais receptivo para aprender. Pesquisas mostram que eles têm melhor rendimento acadêmico em um ambiente positivo”, explica.
Uma aluna de 9 anos de idade escreveu uma carta para Daniela para contar o que sente com a meditação. Em um trecho, ela diz: “eu era muito explosiva e não conseguia controlar minhas emoções. Isso me prejudicava muito, mas quando me apresentaram a meditação, isso tudo mudou, comecei a ficar com mais calma, mais concentrada nos estudos e (tive) vários outros tipos de benefícios”. Ela diz ainda que faz as respirações antes das provas, consegue diminuir o nervosismo e tirar boas notas.
O mesmo tipo de benefício é sentido pelos educadores. Estudos internacionais apontam, segundo Daniela, que professores que meditam realizam seu trabalho de maneira mais eficaz, melhoram a organização em sala de aula e têm maior equilíbrio emocional em classe.
Claudia Vasconcelos Rodrigues Lima, vice-diretora da Escola Estadual Professora Dulce Leite da Silva, em Itaim Paulista, zona leste da cidade de São Paulo, aplica a técnica com os 420 alunos da escola desde 2017. A educadora começou a meditar por interesse pessoal para amenizar o estresse. Em julho deste ano, fez um workshop com Daniela depois de descobrir que a prática da atenção plena tinha tudo a ver com o programa de desenvolvimento socioemocional aplicado na escola, de ensino em tempo integral, para crianças de 6 a 11 anos.
Meditação na Escola Estadual Professora Dulce Leite da Silva, em São Paulo (crédito: Arquivo Pessoal
“Precisamos ter momentos de calma, porque as crianças ficam o dia todo na escola”, diz Claudia. A vice-diretora faz a meditação no pátio com os estudantes divididos em dois grupos a cada 15 dias. Além disso, ela ensinou a prática para as professoras, que fazem as respirações com os alunos em sala de aula.
Os estudantes mostram que aprovaram a iniciativa, de acordo com a educadora. “Eles cobram. Perguntam: cadê a meditação. Uma aluna do primeiro ano disse que ouviu o coração dela. Outra disse que observa os próprios olhos. Outros dizem que quando ficam nervosos, param, respiram, se acalmam e desistem de xingar ou bater no colega”, conta. Segundo Claudia, as relações mudaram. “Não temos mais de ficar chamando as mães. Eles pararam de brigar, de chutar uns aos outros, de se agredir fisicamente. Mudou muito mesmo. É bem bacana.”
Por Fernanda Nogueira/Porvir

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